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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Chile paga o preço alto de levar a sério Che Guevara de apartamento

Madeleine Lacsko

Colunista do UOL

05/09/2022 11h36Atualizada em 05/09/2022 17h36

O Chile teve uma oportunidade de ouro para reverter problemas econômicos estruturais vindos da era Pinochet. Infelizmente, no meio do caminho havia a bancada do Che Guevara de apartamento.

Muitos chamam esse tipo de ativismo de "esquerda cirandeira". Eu prefiro não usar o termo porque considero impossível chamar de esquerda gente que se emociona com "inclusão" em propaganda de banco.

É um movimento pautado pelo marketing das soluções simples para questões complexas. O que fazer diante das desigualdades entre homens e mulheres? Coloca por lei paridade em todos os cargos públicos.

Tem como dar certo? Depende de qual o objetivo. Se for a cura do medo de ser burro e suprir a necessidade de se sentir virtuoso, dá super certo. Se for para a igualdade entre homens e mulheres, ninguém nunca viu isso dar certo no mundo.

Aliás, poucas ideias são mais patriarcais do que essa da paridade, que ignora completamente as diferenças entre homens e mulheres e a necessidade de igual valorização das funções tidas como "femininas".

O tema é abordado em profundidade no documentário norueguês Hjernevask (Lavagem Cerebral), de 2010, que hoje você encontra legendado de graça no YouTube. São 7 capítulos falando de lendas urbanas do progressismo gourmet que passaram a ser tratadas como fatos.

Uma das principais é a da paridade em todos os cargos. A demanda por mais mulheres em profissões tidas como "masculinas" é bem maior nos países mais patriarcais porque eles valorizam mais essas profissões do que as tidas como "femininas".

Nesses países - Índia e Brasil são citados nominalmente -, se a mulher quiser status social e financeiro, quase forçosamente terá de escolher uma profissão tida como "masculina".

Demandas como "mais mulheres engenheiras" são menores, por exemplo, em países nórdicos. Como a estrutura social é diferente, existe recompensa financeira e de status por ocupar cargos como enfermeira e professora primária, considerados "femininos".

A paridade desejada entre homens e mulheres é igualdade de oportunidades aliada à valorização da contribuição á sociedade. Isso não quer dizer que em cada nicho vai ser meio a meio, mas que haverá a mesma oportunidade para o que mulheres e homens quiserem ser.

Essa solução já existe. Ocorre que funciona para a igualdade entre homens e mulheres, mas é inútil para afetar virtude propagandeando soluções fáceis para problemas complexos em rede social.

E a questão do aborto? Para o progressismo gourmet, não há negociação. "Se o mundo não for à imagem e semelhança do que eu desejo, está errado o mundo", apregoam.

Assim, enfiaram na Constituição algo que está muito longe de ser majoritário no país e sabidamente seria rejeitado.

Entre aprovar o pacote completo ou rejeitar o que já se sabia que rejeitaria, o povo rechaçou a nova Constituição com 62% dos votos.

Hoje, muitos "democratas" brasileiros debatem nas redes sociais formas de aprovar a Constituição sem que o povo participe. Essa história de democracia em que o povo vota é realmente um grande problema para o progressismo gourmet.

A questão principal do povo chileno diante da Constituição do governo Pinochet é de estrutura econômica. A esquerda, antes de se deixar infiltrar pelo movimento samambaia e chão de taco, tinha completo domínio dessa pauta.

Apesar da reforma já feita, o sistema previdenciário do Chile continua sendo um pesadelo. As privatizações de serviços públicos - como água, esgoto e educação -, da forma como foram feitas, reduzem os direitos dos cidadãos a pó diante da conveniência de conglomerados econômicos.

Esta era a oportunidade de construir uma nova realidade nacional chilena, com base no que são as demandas reais e justas da população.

Havia também um trabalho importantíssimo sobre o poderio das Big Techs, a primeira tentativa de inclusão dos Direitos Neurais em uma Constituição. Era um projeto pioneiro acompanhado por especialistas em tecnologia e direitos humanos de todo o mundo.

Sou defensora ferrenha dos direitos da bancada dos Che Guevara de apartamento. Que professem sua seita do bem estar psicológico e atinjam tantos quantos possam se beneficiar dela.

O problema é que custa caríssimo levar isso a sério na formulação de políticas públicas. Fica para o Brasil o aprendizado.


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