Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Brasileiro quer democracia mas dá outro significado à palavra, mostra IPEC
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A última pesquisa IPEC trouxe um levantamento importantíssimo sobre a relação do eleitor brasileiro com a democracia. É muito bom saber que a maioria esmagadora do país, 70%, considera prioridade absoluta viver num regime democrático.
Nesse ponto, você deve estar se perguntando por que então o seu candidato não tem 70% dos votos, já que ele é a única garantia da continuidade da democracia. É porque a palavra ganhou uma multiplicidade incrível de significados.
Quando você fala de democracia com alguém, muito provavelmente cada um dos interlocutores falará de um conceito diferente. O esgarçamento do tecido social se deve, em parte, à torre de Babel em que nos convertemos.
A pesquisa IPEC perguntou o quanto as pessoas consideram importante viver num país democrático. Deveriam dar notas de 1 a 10. Foram 70% de notas 10 e só 2% de notas 1. São 85% que dão notas de 8 a 10.
Quando são feitas perguntas que avaliam o que a pessoa acha que seja democracia é que chegamos ao nó da questão. O significado da palavra já foi completamente reescrito.
É um levantamento importante porque explica algo já detectado em outra pesquisa, Genial/Quaest na semana passada: um terço do eleitorado de cada candidato acha inaceitável votar no outro.
Quando se pergunta a eleitores de Bolsonaro sobre voto em Lula, 37% dizem ser inaceitável, 61% dizem ser um direito da pessoa e 3% não sabem. Quando se pergunta a eleitores de Lula sobre voto em Bolsonaro, 34% dizem ser inaceitável, 62% dizem ser um direito da pessoa e 5% não sabem.
É muita dúvida para uma pergunta tão básica, o que demonstra como o julgamento moral passou a substituir a objetividade. Se estamos em uma democracia e há eleições, é direito do eleitor votar em quem quiser. Isso é um fato.
Não há fatos que sejam suficientes contra argumentos de superioridade moral. Realmente existe uma parcela significativa do eleitorado que julga ser democrático impor seus valores aos demais.
A ideia de democracia do brasileiro se confunde com beligerância, hegemonia, patrulhamento e até com regimes autoritários em si, mostrou o IPEC.
Foram formuladas várias frases diferentes e as pessoas tinham de responder com números de 1 a 5, sendo que 5 é concordar totalmente e 1 é discordar totalmente.
"Democracia é ter liberdade de expressar seus pensamentos, independentemente de quais forem" tem 71% de concordância total e apenas 6% de discordância total. Essa noção explica por que as ações do TSE têm um efeito tão poderoso na militância bolsonarista.
A maioria dos brasileiros quer democracia e entende que isso é ter o direito de falar livremente tudo o que vier à cabeça. Mas ainda não é o mais problemático.
Foi feita a pergunta "Democracia é permitir que forças militares intervenham quando o governo for incompetente". Essa parece bem óbvia, certo? Errado. Intervenção militar devido a incompetência faz parte da noção de democracia do eleitorado.
Os que concordaram totalmente foram 39%. Juntando quem concorda em parte e quem é indiferente, temos a maioria da população, 58%. A eles se somam os 4% que não sabem.
Também é interessante ver a ampla fatia do eleitorado que se julga dona da democracia, como se esse não fosse um valor de quem pensa diferente.
Diante da afirmação "Democracia é importante apenas para quem acredita nos mesmos valores que você", 33% concordam totalmente, 8% concordam em parte, 9% são indiferentes e 3% não souberam responder.
Talvez seja uma das explicações para o caos em que nos metemos nessa confusão entre militância política e patrulhamento da opinião alheia. Principalmente nas redes sociais, tem gente que jura defender a democracia patrulhando e xingando quem não declara voto no seu candidato.
Parece absurdo e é, mas só se for mantida a definição original de democracia. Na boca do povo, democracia é algo que admite até intervenção militar.
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