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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Michelle debuta na política de olho na rejeição feminina à lacração

Michelle Bolsonaro durante evento do PL Mulher - Natanael Alves - Ascom/PL
Michelle Bolsonaro durante evento do PL Mulher Imagem: Natanael Alves - Ascom/PL

Colunista do UOL

21/03/2023 18h58

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Agora o jogo de Michelle Bolsonaro é outro. Definitivamente, ela entra na política e é hábil o suficiente para ajustar o discurso anterior de mulher ajudadora do marido para o papel de protagonismo que pretende ter. Mira nas mulheres com quem a esquerda não dialoga mais por ter priorizado a lacração da elite urbana à realidade da mulher brasileira.

Nunca uma presidente da comissão de mulheres de um partido teve uma posse com tanta pompa e circunstância. Aliás, nem presidente de partido tem cerimônia do tipo. O que se está lançando é uma liderança feminina que pretende fazer crescer ainda mais a bancada de direita e do centrão no Congresso Nacional.

Michelle Bolsonaro preparou bem o terreno para um discurso em que o caso das joias pode ser favorável a ela. Não é por acaso que cita o livro bíblico de Provérbios, um compilado de sabedoria de vida feito pelo Rei Salomão.

É algo que faz parte do repertório evangélico, portanto da cultura das periferias. Mulheres virtuosas são chamadas de joias, têm seu valor equiparado ao das pedras preciosas. Ela usa bem o contexto ao falar diretamente ao seu público-alvo sem ser detectada pela imprensa, que não domina este vocabulário.

Essa sutileza de escândalo das joias e joia no contexto bíblico não será notada, então a tendência é dizer apenas que Michelle fez uma fala irônica ou provocadora sobre o caso. O público a quem ela se dirige entenderá que, mais uma vez, estão debochando dos valores cristãos e da Bíblia.

A única ligação palpável entre Michelle Bolsonaro e as joias é a dedução. Como são joias femininas dadas à presidência, se supôs que são dela. Pessoas menos machistas vêem aí outros indícios, de que podemos estar diante de algum pagamento destinado a integrantes do governo.

Depois de mudar a versão do caso diversas vezes, a defesa do presidente Jair Bolsonaro disse que está com as tais joias e vai devolver. Michelle falou hoje em assassinato de reputação e falta de empatia com as dores das mulheres. Se as joias realmente forem devolvidas pelo marido, tem diante de si um trunfo, de que foi injustiçada.

Falou diversas vezes da necessidade de equidade entre homens e mostrou que definitivamente está numa nova fase. Fez questão de descer do palco e cumprimentar sua filha Leticia, a mais velha, que não apareceu publicamente nas campanhas bolsonaristas. Em vez de dizer que sua prioridade é cuidar da família, afirma que mulheres já provaram dar conta de ser mães e ter uma carreira ao mesmo tempo.

Essa é uma fala que apela diretamente às mulheres comuns. Ouvimos frequentemente que a mesma pergunta não é feita aos homens. Não é e jamais será. O espaço público sempre foi dos homens. Nós, mulheres, é que tivemos de conquistar direito a esse espaço, o que foi feito há pouquíssimo tempo.

Michelle Bolsonaro marca a virada de chave. Não é mais a primeira-dama, aquele tipo de poder advindo do casamento. Ela pode ter feito carreira solo na atuação em prol de causas relacionadas a surdos e doenças raras, por exemplo. Mas podia fazer isso enquanto casada com o presidente da República e se ele deixasse.

Ela foi a primeira e única primeira-dama a ter direito de fala na posse de um presidente brasileiro. Todas elas, inclusive as feministas, entraram mudas e saíram caladas, no papel de coadjuvante que escolheram assumir. Não é porque falou que Michelle deixou de ser coadjuvante. Poder dado por marido não é poder.

Agora ela tem brilho próprio, o poder de um cargo importante em um dos maiores partidos do país. Resta saber se tem força para voar e como reagirá o marido se tiver de ficar à sombra dela.