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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fake News e a arte da legislação freestyle

Colunista do UOL

25/04/2023 18h08

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O Brasil talvez seja um dos maiores especialistas mundiais em legislação freestyle. É a modalidade em que leis não são criadas para ter as consequências reais desejadas pelo legislador, os efeitos necessários para a sociedade. São criadas por outras razões aparentemente mais importantes no momento.

Que razões seriam mais importantes para fazer uma lei do que suas consequências práticas? Várias, depende da prioridade. Uma lei pode ser feita para fingir que se solucionou um problema complexo, atrair marketing, aparentar bom-mocismo, fingir que está fazendo algo relevante com o mandato. E sempre haverá quem acredite.

Não seria diferente com o projeto apelidado de PL das Fake News mas que trata de outro tema, já que nem define o que são Fake News. Ele é fruto da sensação de que é preciso fazer alguma coisa numa situação complexa. Então fazemos qualquer coisa.

O defeito não é do projeto em si, mas do nosso vício por resolver tudo com leis açodadas e completamente desconectadas de todo o ordenamento jurídico já existente.

Não há dúvidas de que é necessário fazer algo para regulamentar as Big Techs e suas redes sociais. A dúvida é o que fazer. O excesso de certezas dos nossos políticos deveria chamar a atenção das pessoas. Em todo o mundo democrático se discute como regulamentar sem que o tiro saia pela culatra e se estrangule a democracia que a regulamentação pretende preservar. Mas aqui, só aqui, já se tem certeza de como fazer. Sensacional.

Os questionamentos sobre modelos possíveis são acompanhados de perto pelo DigWatch, observatório digital da Diplo Foundation, em Genebra, Suíça. Já existe internacionalmente uma certeza, fixada definitivamente em 2023: é necessário haver algum tipo de regulamentação das redes sociais. Havia uma ideia de que a governança das empresas daria conta do recado, algo que resistiu particularmente nos Estados Unidos, mas isso acabou caindo por terra.

O centro da discussão sobre regulação é encontrar para as Big Techs, particularmente para as redes sociais, figuras jurídicas mais próximas do papel real que elas exercem. Atualmente, na maioria dos países, falamos de figuras jurídicas de plataformas de publicidade ou mensagens. Na realidade, temos empresas que hackeiam o comportamento das pessoas e influenciam de modo decisivo a política, a sociedade e o consumo.

Esse debate é feito por aqui e já foi abordado inúmeras vezes por membros do STF. A última vez em que me lembro, foi levantado pelo ministro Alexandre de Moraes. É uma discussão central e importante que precisamos fazer.

Infelizmente, ela não é tão interessante quanto o debate acalorado sobre controle de conteúdo. Esse tema também é debatido no exterior, mas como um detalhe. Sem definir a estrutura, mirar em conteúdo é enxugar gelo. Aliás, uma imagem que se fala muito é a de enxugar um prédio de gelo usando um guardanapo de papel.

Segundo o DigWatch, são 3 os níveis de controle de conteúdo, do mais democrático ao ditatorial:

Controle de discursos que são considerados fora da liberdade de expressão com unanimidade internacional: pedofilia, incitação ao genocídio, organização ou apoio a atos terroristas no sentido técnico da palavra.

Controle de discursos que ofendem a cultura e a sociedade, como apostas e pornô em países muçulmanos.

Controle de conteúdo vagamente definido como prejudicial ou perigoso, algo comum em ditaduras. A imprecisão na definição é marca de quem finge regular redes para perseguir adversários e críticos.

É uma discussão importante e estratégica que, infelizmente, foi simplificada intelectualmente. A lei não discutida é apresentada como panacéia. Influencers oportunistas vomitam certezas absolutas sobre a opinião pública e provocam alarmismo. Os covardes advogam que troquemos a liberdade de todos pela ilusão de segurança.

Estamos perdendo, mais uma vez, a oportunidade de parar de levar a sério o que não é sério, chamar os adultos para a sala e tomar as decisões complexas de que o Brasil precisa.