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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que esperar de uma CPMI em clima de quinta série?

"Fake news" na tela de computador - Reprodução
"Fake news" na tela de computador Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

27/04/2023 19h08

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O que esperar da CPMI dos atos de 8/1? Muita gente tem me perguntado. Estamos diante de um paradoxo que já vimos na CPI da Covid, mas que será ainda mais marcado agora. É um assunto profundamente sério para o Brasil, mas que será abordado de olho na dinâmica política de quinta série que se estabeleceu nas redes sociais.

Comissões Parlamentares de Inquérito são julgamentos políticos, que se somam ao julgamento técnico do Judiciário. Elas têm sido importantíssimas na nossa jovem democracia. Todos os governos democráticos tiveram, de uma forma ou de outra, seu destino decidido por essas comissões.

Teremos agora uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, envolvendo a Câmara e o Senado, para fazer o julgamento político dos acontecimentos mais nefastos do período democrático. Apurar os fatos politicamente deveria ser a prioridade. Infelizmente, vivemos a era da economia da atenção, então as prioridades mudam.

A presença nas redes sociais e a capacidade de dominar a narrativa política serão as prioridades tanto de bolsomínions quanto de luloafetivos. A escalação dos parlamentares vai nesse sentido.

Se as duas tarefas fossem complementares, estaríamos diante de um cenário mais fácil. Não são. Aparentemente, seria muito popular apurar fatos e fincar posição política sobre o que admitimos ou não. Ocorre que o público de redes sociais não se importa com fatos, é aferrado a narrativas, sobretudo àquelas que confirmam suas convicções prévias.

A reportagem de Lucas Borges Teixeira, publicada hoje no UOL, informa que o presidente Lula espera que a CPMI traga dividendos nas redes sociais. As questões levantadas são muito pertinentes.

A primeira é que as realizações do governo não têm atingido com repercussão suficiente o público apoiador. Elas chegam muito mais aos bolsonaristas que, obviamente, fazem uma abordagem negativa.

A outra questão que, segundo a reportagem, é apontada por Lula, seria o pulo do gato da atuação em redes. O lulismo não pode ser visto como um bolsonarismo de sinal trocado. A realidade, no entanto, é uma pedra nesse caminho.

Desde o início do governo, os esforços dos aliados mais engajados nas redes sociais têm sido insuficientes para informar ao público as conquistas. A prioridade tem sido atacar em enxame, fazer bullying e difamar todos os críticos do governo. É uma estratégia que deixa Lula encalacrado na polarização e realmente lembra bastante os feitos do "Gabinete do Ódio".

Mudar essa realidade esbarra em um fato ingrato. As redes impulsionam, por default, postagens de um grupo atacando uma pessoa ou outro grupo. Segundo levantamento feito pela NYU, Universidade de Nova Iorque, sob o comando do psicólogo Jay Van Bavel, postagens de ataque a um grupo ou uma pessoa têm 67% mais chances de viralizar. Fica difícil sair do método para adotar outro.

Além disso, o bolsonarismo é um fenômeno nativo digital. Jair Bolsonaro tem uma longa carreira política, mas amalgamou sua base com os recursos da era digital. A trajetória de Lula é diferente. O PT começou a trabalhar com grupos em redes por volta de 2010, com os MAVs, a Militância em Ambientes Virtuais. Mas a natureza do grupo é outra, de criação de base social por meio dos movimentos sindicais, que começou 30 anos antes.

Isso significa que as ações digitais são o coração do bolsonarismo, que se construiu por meio delas. Por mais que o petismo invista nesse cenário, acaba ficando refém de repetir as mesmas técnicas mas usando um discurso político diferente.

Em uma CPMI é muito melhor ser oposição do que ser governo. Qualquer vitória milimétrica de quem ataca o poder estabelecido é celebrada como uma ação de Davi contra Golias. Ao mesmo tempo, quem é da situação fica encarregado da defesa, algo menos midiático na era de redes, em que o ataque é o atrativo das multidões.

Nesse cenário, resta saber o que esperar da CPMI. Não há dúvida de que os atos de 8 de janeiro foram engendrados por bolsonaristas. Ocorre que a ação das autoridades escolhidas por Lula na ocasião também fica sob escrutínio.

Atacar um governo que já acabou engaja muito menos do que atacar o governo da vez. Agir como moleque de quinta série, dando chiliques e botando apelidinho nos outros, engaja muito mais do que qualquer discussão séria. É diante desses dilemas que estamos agora. Como a CPMI irá resolver, só o tempo dirá.