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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cartão de vacina é o "Fiat Elba' de Jair Bolsonaro?

24.fev.2021 - O então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
24.fev.2021 - O então presidente Jair Bolsonaro (PL) e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

03/05/2023 15h09

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Depois de tudo o que se passou durante o governo Bolsonaro, a visita da Polícia Federal à casa do ex-presidente é motivada pelo cartão de vacina. Muita gente não se conforma e aqui não falo dos aliados do ex-presidente, mas dos adversários.

Eles o apelidaram de genocida, colocam fé em julgamentos duros por cortes internacionais. Um cartão de vacina falso parece uma acusação pequena, quase perfumaria num país em que os políticos não cansam de colocar a própria classe nas páginas policiais.

Pode ser esse o "fiat Elba" de Jair Bolsonaro? Só o tempo dirá. Para quem não se lembra da história, o Brasil já estava com o povo nas ruas cobrando o impeachment de Fernando Collor em 1992. Trinta anos atrás, esses processos já eram muito parecidos com o que vemos hoje.

Adversários e formadores de opinião falam cobras e lagartos da figura pública em questão e o público começa a pensar que realmente tem prova de tudo aquilo. Na hora "H", prova mesmo não tem de nada. Então se encontra um detalhe que justifique a ação legal.

Foi assim com Collor. Ele era pintado como o maior corrupto da história da humanidade. A prova que encontraram foi um veículo Fiat Elba ano 1991 que estava no nome dele e teria sido pago com dinheiro desviado pelo tesoureiro de campanha PC Farias. Aí é que o gato subiu no telhado e começou o processo de impeachment.

Anos depois, Fernando Collor foi absolvido de todos os processos de corrupção no Supremo Tribunal Federal.

Com Lula, Dilma e Temer os enroscos legais não foram diferentes.

A devassa no governo Lula escancarou um sistema de corrupção prolífico em que foram recuperados para os cofres da Petrobras mais de US$ 25 bilhões. Foi dinheiro devolvido ao longo de anos por meio de acordos de leniência. Qual foi a acusação usada para colocar o atual presidente na cadeia? Um sítio emprestado em Atibaia e um triplex no Guarujá.

O mesmo ocorreu no impeachment de Dilma Rousseff. O clima do impeachment já havia sido criado antes que as alegações das pedaladas fiscais viessem à tona.

No caso de Michel Temer, o Brasil parou para ver o espetáculo patético. Houve o áudio gravado ilegalmente dentro do Palácio do Planalto pelo empresário Joesley Batista. Também houve o vídeo do assessor dando uma corridinha com a mala de dinheiro. Um dos inquéritos que fundamentou a prisão era o Porto de Santos, que tinha sido arquivado há anos pelo STF a pedido do Ministério Público.

Jair Bolsonaro diz que não tomou vacina e nunca apresentou documento de vacina para entrar nos Estados Unidos. Jamais saberemos se ele tomou ou não vacina. O que podemos apurar com facilidade e segurança é se foi feito um cartão falso de vacinação e se ele usou ou não. Caso se confirme, é crime.

A suspeita do cartão falso havia surgido em 2 de janeiro deste ano por meio do cientista de dados Marcelo Oliveira (conhecido como @Capyvara no Twitter) e integrante do grupo interdisciplinar Infovid, que se dedicou ao combate à desinformação na pandemia.

Ele rastreou pelo OpenDataSUS o cartão de vacinação vazado à imprensa por um funcionário da Controladoria-Geral da União, que já investigava o caso. Descobriu dados estranhíssimos de vacinas aplicadas num posto em Duque de Caxias justamente nas datas de duas motociatas no Rio de Janeiro, 13 de agosto e 14 de outubro. As doses foram invalidadas no sistema posteriormente, em 28 de dezembro. O cartão não estava no nome de Jair Bolsonaro.

A investigação de agora fez o caminho inverso. Foi por meio de mensagens do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que se chegou a uma história de falsificar cartão de vacina num posto em Duque de Caxias.

Mensagens em celulares são o ouro da política nacional. Na operação de hoje, foi apreendido o celular do ex-presidente. Podem estar ali mensagens de todos os que tiveram contato com ele.

Não há reputação que resista ao escrutínio de todas as suas mensagens. E, se o celulare confiscados for mesmo o usado por ele, imagine quantas pessoas podem acabar expostas pelos mais variados motivos e não apenas criminais ou políticos. Todos os que trocaram mensagens com Jair Bolsonaro ou até com alguém que costuma trocar mensagens com ele estão agora de orelha em pé. O tabuleiro da política nacional foi mudado.