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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Adeptos da 'cura crente' ajudam Michelle em meio à crise

Michelle Bolsonaro retificou a declaração realizada mais cedo em evento - Reprodução/Instagram/Michelle Bolsonaro
Michelle Bolsonaro retificou a declaração realizada mais cedo em evento Imagem: Reprodução/Instagram/Michelle Bolsonaro

Colunista do UOL

15/05/2023 15h11

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A história do cartão da amiga de Michelle Bolsonaro voltou agora às manchetes com muito mais pimenta. O UOL divulgou mensagens em que a situação do cartão emprestado da amiga e utilização de dinheiro vivo era discutida entre assessores do Planalto. O vício elitista de enfiar a religião evangélica no meio de tudo favorece politicamente a ex-primeira-dama.

Pode parecer uma bomba mas, no Brasil, todo escândalo relacionado a corrupção é passageiro. Muita gente já esqueceu, por exemplo, que o próprio presidente Jair Bolsonaro assumiu publicamente a história de que sua mulher usava um cartão de crédito da amiga.

Isso ocorreu porque a história, investigada pelo STF a partir da investigação de Mauro Cid, suspeito de operar um caixa informal na presidência, foi noticiada pela Folha de S. Paulo no ano passado.
Em janeiro deste ano outro jornal divulgou mais detalhes e o presidente Bolsonaro confirmou a história do cartão, dizendo que Michelle não tinha crédito disponível. Não confirmou a história do dinheiro vivo. Agora vieram as mensagens.

Não vai tardar para a elite brasileira usar o episódio - de novo - para ridicularizar as crenças e valores dos evangélicos. Há quem argumente que isso acontece porque os evangélicos acendem o debate moralista, então são mais vidraça quando alguém os pega no pulo. Até poderia ser, mas há uma diferença abissal entre o tipo de crítica feita aos evangélicos e a outros grupos religiosos.

Cito como exemplo a minha religião, católica. Há fortes críticas contra a Igreja Católica, inclusive da minha parte, e muitas delas são legítimas. Toda vez que eu posto foto com um padre, por exemplo, aparece gente perguntando se debatemos o tema pedofilia na conversa.

As críticas contra a Igreja Católica são sobre fatos concretos, não uma ridicularização dos rituais ou da nossa fé. Contra os evangélicos, invariavelmente a crítica é sobre falar em línguas e acreditar em demônios, algo tratado como ridículo. Católicos carismáticos também falam em línguas e a fé católica inclui a demonologia.

Por que as mesmas coisas que são utilizadas para ridicularizar evangélicos não são utilizadas para ridicularizar os católicos? Porque o catolicismo é ligado à elite e às tradições, enquanto o protestantismo, principalmente pentecostal e neopentecostal, é coisa de pobre e periferia. Não vemos aceitação do mainstream a ridicularizações semelhantes a rituais do judaísmo, islamismo, kardecismo ou religiões afro.

Nas horas, em que é possível tirar sarro de pobre sem dar na cara, a elite brasileira tende a tirar o Justo Veríssimo do armário. Somente pessoas inferiores intelectualmente acreditariam nos rituais dos evangélicos.

Quando isso acontece com Michelle Bolsonaro, ela cresce porque o povo se identifica com esse tipo de ridicularização, frequente numa elite que sistematicamente debocha de todos os valores importantes para as pessoas mais pobres.

A cultura evangélica é hoje a cultura da periferia, mesmo de quem não acredita na religião. O seriado Sintonia, da Netflix, que deve ter sua quarta temporada este ano, mostra bem essa questão complexa e distante do radar de quem vive no eixo Leblon-Vila Madalena.

Quando alguém debocha de valores ou rituais evangélicos, é entendido pelo povo de cultura evangélica como alguém que está debochando de todos os valores dele.

Parte da elite brasileira é adepta da "cura crente". Você vê as entranhas disso numa reportagem fenomenal do UOL Tab sobre a compra do Teatro Leblon pela Igreja Batista da Lagoinha. Os moradores fizeram abaixo-assinado para impedir o funcionamento e explicaram com frases como "imagina o público que vai vir aqui".

Quando esse público vê o mesmo tipo de mensagem contra Michelle Bolsonaro, acaba se identificando com ela e esquecendo as denúncias. Lula na presidência é prova cabal de que, no Brasil, qualquer denúncia de corrupção se esquece.