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Madeleine Lacsko

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O Brasil não gosta de Justiça, gosta de Lei do Retorno

Bumerangue da Chanel - Reprodução/Chanel
Bumerangue da Chanel Imagem: Reprodução/Chanel

Colunista do UOL

18/05/2023 15h23

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O brasileiro não gosta de Justiça, gosta de Lei do Retorno, vingancinha e Schadenfreude - palavra alemã que significa o prazer quando alguém de quem não gostamos se dá mal. Parece que o mundo das nossas autoridades resolveu embarcar nessa, promovendo uma união inusitada de bolsonaristas e petistas na tarefa.

A cassação de Deltan Dallagnol foi vista pela maioria como um empreendimento apenas petista, até porque bolsonaristas estavam com o deputado na entrevista coletiva à imprensa. Ocorre que três juízes indicados por Bolsonaro votaram pela cassação. Além disso, o PL, partido do ex-presidente, pediu a cassação de Sergio Moro, que pode ser julgada em breve.

As torcidas políticas foram ao delírio, entendendo que os lavajatistas beberam do próprio veneno. Há os que tentam racionalizar a questão assassinando a lógica. Como a Lava Jato cometia excessos condenados pelos garantistas, agora quem fez parte da operação não merece as garantias defendidas lá atrás.

Deltan Dallagnol foi condenado pela Lei da Ficha Limpa por ter pedido exoneração com o objetivo de fugir de processos disciplinares que o deixariam inelegível. Detalhe: não havia processos disciplinares abertos. Há quem argumente que a Lava Jato agiria igualzinho, criminalizando a política. Então precisamos decidir se a Lava Jato agia certo ou errado.

Há duas possibilidades. Na primeira, a Lava Jato estava errada e, portanto, o que ocorreu com Deltan Dallagnol também está errado. Na segunda, a Lava Jato estava certa e o que ocorreu com Deltan Dallagnol também é certo. O problema é que esse é um raciocínio sobre Justiça, coisa chatíssima.

Preferimos outro raciocínio, o da Lei do Retorno, em que é correto alguém provar do próprio veneno, a multidão vai ao delírio e os conceitos de certo e errado pouco importam. Não é o que foi feito, é quem fez. Aos amigos tudo, aos inimigos a lei.

Também é assim com a questão de inclusão. Che Guevaras de apartamento de todo o Brasil estão apoiando a censura ao humorista Léo Lins, fingindo que a posição é para defender minorias. Não é. Se fosse, estariam atacando com muito mais virulência os políticos que estão costurando a PEC da Anistia, que tem impacto objetivo e comprovado em inclusão.

A tal PEC, que une petistas e bolsonaristas na lambança, anula punições ao uso indevido do dinheiro público do fundo partidário. Os políticos que transgrediram as regras criadas por eles próprios para dar um mínimo de moralidade à coisa não poderão mais ser punidos caso isso seja aprovado. Se comprou avião, carrão ou financiou churrasco com dinheiro público, vamos simplesmente esquecer.

Também não poderão ser processados nem punidos os partidos que desrespeitaram as cotas de financiamento para candidaturas de mulheres e negros. O Ministério da Igualdade Racial fez um pronunciamento forte sobre o assunto, mas não convenceu nem a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

Estranhamente, diante de uma ameaça real às minorias, não tem justiceiro social de teclado xingando político. Eles estão xingando o Fabio Porchat, por se dizer contra censura de humorista, coisa que ele próprio já sofreu na pele com o público religioso.

O que realmente é interesse das minorias? Pressionar políticos para manter as cotas partidárias ou infernizar o Fabio Porchat nas redes sociais? Não importa, isso é pensar como quem quer justiça, uma coisa muito chata. Melhor pensar em Lei do Retorno. Se você não gosta do Léo Lins e o Fabio Porchat não agiu como você quer, vamos tirar o trabalho deles. Daí diz que só faz isso para promover inclusão, senão vão perceber seu prazer em espezinhar os outros.

Diante desse episódio de South Park em que transformamos o debate político brasileiro, resta saber se há possibilidade de retorno à lógica, ponderação e justiça. A continuar nesse rumo, no qual os populistas têm investido bastante, daqui a pouco trocam a Constituição Federal pelo livro O Segredo e oficializam a Lei do Retorno.