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Maria Carolina Trevisan

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Existe sinceridade no repúdio dos bolsonaristas ao que fez Arthur do Val?

Arthur do Val admite retirar candidatura ao governo de SP, após áudio machista - Reprodução TV
Arthur do Val admite retirar candidatura ao governo de SP, após áudio machista Imagem: Reprodução TV

Colunista do UOL

06/03/2022 09h26

"Nojento. Baixo. Sujo", disse a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) sobre o áudio do deputado estadual Arthur Do Val (Podemos-SP) sobre as mulheres ucranianas e brasileiras. "Já desce no Brasil com a sua carta de renúncia", afirmou Damares, ainda na noite de sexta (4). Importante a rápida manifestação de repúdio da ministra.

Relevante também a indignação das deputadas Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) sobre o episódio e a reação contundente da ex-jogadora de vôlei Ana Paula Henkel acerca das falas sexistas de Do Val, o "Mamãe Falei", integrante do MBL (Movimento Brasil Livre). 

O que Arthur do Val fez não pode ser relativizado. É grave. A cassação de seu mandato estaria mais do que justificada. Sua resposta ao chegar ao Brasil só demonstra que ele não compreendeu a gravidade do que disse. Colocou-se como vítima e culpou as mulheres de São Paulo.

"Eu comparei com a situação que a gente vive aqui em São Paulo. Eu não sou santo, eu sou homem, eu sou jovem, vi um monte de mulheres bonitas sendo simpáticas. Talvez porque aqui em São Paulo as mulheres sejam mais inacessíveis. E eu mandei esse áudio", disse, no aeroporto Internacional de Guarulhos.

O que chama a atenção não é o repúdio das mulheres bolsonaristas diante do que fez Do Val, o que é importante. Mas o fato de outros casos não terem gerado reação semelhante quando, por exemplo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) associou o trabalho de mulheres engenheiras ao acidente que abriu uma cratera na obra do metrô em São Paulo. Tampouco condenaram as inúmeras ofensas do presidente Jair Bolsonaro às mulheres jornalistas. E não defenderam os direitos de uma menina grávida, vítima de violência sexual, de interromper a gestação e não ser submetida a um parto aos 10 anos, sob risco de morte. Entre outros inúmeros exemplos e suas devidas proporções.

Por isso, é provável que os posicionamentos dessas mulheres bolsonaristas tenham tido também uma motivação política. 

A fala criminosa de Do Val atingiu em cheio o candidato do Podemos à Presidência, o ex-juiz Sérgio Moro. Visto como traidor por bolsonaristas, o escândalo foi a faísca que seus adversários precisavam para incendiar e acabar de minar a candidatura do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Mas essa indignação episódica acerta nos princípios do próprio bolsonarismo, que diz que a "liberdade" é mais importante que a própria vida, que insiste que as medidas de contenção da pandemia foram responsáveis pela crise econômica, que se opõe à política tradicional fingindo não ser parte indissociável dela, que cria o caos para passar boiada.

É cada vez mais complicado sustentar as bases do bolsonarismo e suas faces olavistas, que pregam contra as "pautas identitárias", como revelado pelo zap do presidente Bolsonaro vazado à imprensa. Nessa teoria da conspiração, os direitos das mulheres seriam estratégias dos "progressistas" para dominar o país. 

De contradição em contradição, o bolsonarismo vai se esvaziando. O que sobra é a figura de um presidente extremamente misógino, que ataca a liberdade de imprensa, que desdenha do sofrimento humano e que se coloca como o autoritário que é e sempre foi.  

O risco de um repúdio estimulado pela disputa eleitoral é ver Arthur do Val assumir o discurso de vítima e se tornar candidato competitivo à reeleição, se não for cassado.