Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
A volta do carnaval relembra que ser brasileiro é mais beleza que ódio
E, então, o carnaval renasceu. Mais de 700 dias desde a última vez em que as escolas de samba adentraram as avenidas, abril de 2022 reinaugura a vida com samba.
É um marco de esperança. Os desfiles trouxeram nossas dores e nossas perdas nesses últimos anos. Retrataram as ausências com homenagens ao ator Paulo Gustavo, na São Clemente, e à cantora, compositora e sambista Elza Soares, cujo trono desfilou vazio no último carro alegórico da Mocidade Independente de Padre Miguel, onde Elza reinou.
As escolas de samba compartilharam saudações aos que se foram e mostraram também a indignação pela falta de compaixão e de competência do governo Bolsonaro, que deixou o país à deriva na pandemia da Covid-19. No desfile da Rosas de Ouro, em São Paulo, Jair virou jacaré depois de ser vacinado, ressaltando a importância da ciência.
A Gaviões da Fiel retratou a injustiça social, o racismo, o fascismo e a degradação da nossa democracia, com referências ao desmatamento, aos políticos extremistas e ao descaso com a educação. A Águia de Ouro celebrou as religiões de matriz africana e também deixou uma crítica na avenida, com o refrão "quem semeia a intolerância perde a paz no coração".
A questão racial esteve presente em diversos desfiles, como o da Beija-flor, do Salgueiro, da Imperatriz e da Mangueira: o enfrentamento ao racismo, a história afrobrasileira, a resistência negra, as religiões, a cultura negra e a desigualdade racial desfilaram em diferentes momentos das avenidas.
Essas dimensões tratadas no carnaval mostram a maior compreensão social sobre os pilares que fundam a nossa sociedade e também o reconhecimento da força que a população negra carrega consigo em tempos duros, ontem e hoje, na escravidão, na ditadura e também na democracia, quando os direitos estão ameaçados e a vulnerabilidade dessa população avança. É um dos motores da engrenagem que podem fazer nosso país social e racialmente mais justo.
Também houve conflitos, contratempos, acidentes, euforia, choro, intensidade. Falou-se de dor, de amor, de celebração da vida, de estarmos juntos novamente. Dos abraços silenciados, dos vazios. Os temas para os quais devemos ficar atentos foram exibidos como um alerta urgente: a intolerância é um problema grave e que se consolida no Brasil, calçado nas nossas próprias origens racistas.
E, diante de tudo isso, a beleza do que se viu é o que nos faz brasileiros. Lembrar quem somos nós — saber o que nos dá orgulho e o que nos envergonha como nação — traz a determinação que precisamos para manter acesa a chama da esperança por um Brasil melhor para todos, com igualdade e com acesso a direitos.
Relembro versos de Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves na voz da rainha Elza Soares em "Cadeira Vazia", de 1960:
"Voltaste, estás bem, estou contente
Só me encontraste um pouco diferente."
Seguiremos deste marco do Carnaval de 2022 diferentes do que éramos antes e mais fortes. O Brasil não é ódio, embora às vezes pareça. Somos muito mais o samba.
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