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Mauricio Stycer

REPORTAGEM

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Lázaro Ramos: A história vai lembrar dos artistas que não se posicionaram

Colunista do UOL

01/08/2022 11h00

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Num ano de muito trabalho, Lázaro Ramos volta aos cinemas no próximo dia 11 de agosto, véspera do Dia dos Pais, com "Papai É Pop", no qual contracena com Paolla Oliveira numa comédia que também dá um puxão de orelhas no público masculino. "O filme fala sobre o excesso de peso que recai sobre os ombros das mães, sobre a responsabilidade que toda a família tem", disse ele ao UOL Entrevista.

Na conversa, que contou com a participação de Aline Ramos, Leonardo Sakamoto e eu, todos colunistas do UOL, Lázaro falou também sobre a "censura burocrática" sofrida por "Medida Provisória", o primeiro filme que dirigiu, lançado com sucesso este ano. Comentou, ainda, sobre como vê a discussão sobre representatividade racial na TV e no cinema. Disse que está cansado de ficar reclamando e se coloca num outro lugar. "Histórias negras são boas, são importantes, são potentes, têm público. O público se beneficia com essas histórias. O mercado se beneficia com essas histórias"

Falando sobre a violência, a agressividade e o estímulo ao ódio representados pelo presidente Jair Bolsonaro, Lázaro defendeu que "a utopia do amor" não basta como arma. Defendeu ser preciso também agir com veemência e se posicionar para transformar o mundo. Lembrou que o ano eleitoral é o momento de refazer "o pacto de como vai viver em sociedade". Disse, ainda, que nenhum artista é obrigado a se posicionar, mas observou que "daqui a alguns anos a gente vai voltar aos arquivos e a gente vai saber quem participou, ou não, e cada um vive com a sua consciência".

Abaixo, trechos da entrevista:

"Papai É Pop"
Há muitos anos queria falar de paternidade em algum projeto. Sinto que a gente fala pouco sobre esse assunto na ficção, uma aventura que é cheia de desafios e alegrias. É a realização de um sonho mesmo. Um tema relevante. Um filme que usa como estratégia, a partir de uma história afetuosa, você dar um puxão de orelhas. O filme fala sobre o excesso de peso que recai sobre os ombros das mães, sobre a responsabilidade que toda a família tem.

Pai de Lázaro
Diferentemente de muitas pessoas que conheço, meu pai foi um cara desde sempre muito presente. Mas, como todo filho sempre tem queixa do pai, a maneira que meu pai exerceu a paternidade em alguns momentos me causou algum incômodo: a falta do toque, do abraço, do beijo, do elogio explícito através de palavras. Foi a paternidade possível para ele. Ele foi provedor, foi exemplo de responsabilidade, foi ético, e são coisas que me orgulho muito.

Masculinidade tóxica
Acho muito importante questionar a nossa masculinidade no sentido de como a gente demonstra que é homem. Muitas vezes a gente vê essa demonstração através da violência, da agressividade, do estímulo ao ódio. E você tem um ótimo exemplo: o presidente é isso. E a gente sabe que a construção de um homem se faz de forma muito mais complexa, rica e útil para a convivência em sociedade. Não sou tão Poliana, sonhador, utópico, de acreditar que apenas a leveza e o afeto vão salvar o mundo. A veemência, posicionar-se, ser firme, também salvam o mundo. Ano eleitoral é o ano em que você refaz o pacto de como vai viver em sociedade. Dentro desse novo pacto, que tenho fé que a gente vai fazer, espero que a afetividade esteja incluída.

"Medida Provisória"
Acho que o racismo e a luta antirracista são tão complexos que não existe só uma arma. Cada projeto contribui de uma maneira. O (filme) "Medida Provisória" acrescenta a esta luta uma voz que é uma convocação. A estratégia é usar o melodrama para as pessoas se emocionaram, chorarem, perceberem os dilemas que a gente vive hoje e se sentirem convocadas. É uma estratégia para o nosso tempo. O filme é baseado numa peça, do Aldri Anunciação, de 2011, escrita como um alerta de coisas que a gente não gostaria que acontecessem no futuro. Infelizmente, várias das coisas aconteceram. E quando chega em 2022, fico até em dúvida se não é um filme de época.

Luta pela utopia
A luta da gente hoje é pela utopia. A gente passou alguns anos anestesiado, sofrendo, pasmo com tudo que acontece, se sentindo incapaz. Eu me senti várias vezes sem recursos para lidar com esse tempo de tanto ódio. Hoje estou só na utopia, na utopia do amor, do afeto extremo, na utopia que a gente vai resgatar a capacidade de pensar no coletivo e entender as diferenças como potência, e não como coisas que nos diminuem e separam.

Censura burocrática
"Medida Provisória" foi feito com muita responsabilidade pelo dinheiro público. Gerou 855 empregos diretos e indiretos. Ficou pronto em 2019. E a gente, em certo momento, entendeu que precisava de outra distribuidora. Adiamos o lançamento quatro vezes porque o filme precisava de uma assinatura para trocar de distribuidora. Essa assinatura demorou mais de um ano. Estreou com 188 salas, e fez 100 mil espectadores em uma semana. Na segunda semana, subiu para 330 salas, na terceira para 336, na quarta para 340 salas. Está em cartaz há 16 semanas, mesmo estando no streaming no Globoplay.

Sucesso do filme
A gente segue com a noção de que não está sozinho, com a noção de que no Brasil não existe apenas uma voz. Tem uma voz que está gritando, que é uma voz de desamor, que é a voz da violência, a voz da perversidade, mas tem outras vozes que se expressam da maneira que é possível. E essas vozes se expressaram indo ao cinema.

Mercado de TV
Muitas vezes eu vejo a discussão de que precisa colocar mais negros, precisa ter mais personagens negros, porque os negros querem se ver. Estou num lugar que é oposto, hoje em dia. Histórias negras são boas, são importantes, são potentes, têm público. O público se beneficia com essas histórias. O mercado se beneficia com essas histórias. A gente ainda não pesquisou o suficiente sobre como contar histórias com personagens negras. Eu queria conversar neste lugar. Falar sobre esta potência. Estou cansado de ficar reclamando. E fui me capacitando ao longo dos anos para estar neste lugar de gestor de histórias, de proponente de histórias.

Saída da Globo
Eu fui virando outra coisa ao longo do tempo. O lugar do ator já não estava bastando. Eu já estava dirigindo, já estava escrevendo, e não tem nem rubrica na Globo para isso. Eu estava com vontade de ir para um lugar que não estava cabendo na empresa naquele momento. Foi uma decisão difícil. Meus amigos estão todos na Globo. A relação afetiva está muito misturada com a profissional. A Globo foi muito generosa, propondo que eu ficasse, mas ao mesmo tempo, eu virei outra coisa. E se eu não fizesse isso agora, não faria nunca mais. Achei bom me arriscar.

Streaming
Não acho que seja o futuro. É o momento. O jogo está sendo jogado. Não sei até onde duram esses investimentos. É o lugar hoje que tem sido uma salvaguarda para o mercado do audiovisual brasileiro. Todos estão se preocupando em fazer produções com identidade brasileira. Isso é muito importante. Não sei o que virará a TV aberta.

Presidente negro
Sonho com uma presidenta negra. Não posso negar que recebo muitos convites. Não é um lugar desejado para mim hoje. Fico até lisonjeado.

Artistas que não se posicionam
A gente vive numa democracia. É uma escolha das pessoas. Mas, de fato, faz muita diferença quando se posiciona. A verdade é essa. Quando tem uma voz informada, uma voz com influência que fala coisas positivas sobre o processo democrático, que traz à luz denúncias importantes sobre violências cometidas todas os dias, isso faz diferença. Não posso aqui ficar apontando o dedo, mas não posso esconder que são vozes relevantes da sociedade. E quando isso é feito, é muito bom para o coletivo. Tem gente que se exime disso, por suas questões. Em algum momento isso volta, porque a história está sendo feita. Participar desse momento tão necessário, denunciar as violências que o presidente comete, denunciar os assassinatos que são cometidos todos os dias, o feminicídio, o descaso pelas crianças, pela infância... Daqui a alguns anos a gente vai voltar aos arquivos e a gente vai saber quem participou, ou não, e cada um vive com a sua consciência.