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Mauricio Stycer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ameaça de Bolsonaro sobre concessão da Globo serviu para agradar apoiadores

29.out.2019 - O presidente Jair Bolsonaro faz live no Facebook após reportagem da TV Globo sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco - Reprodução/Facebook Jair Bolsonaro
29.out.2019 - O presidente Jair Bolsonaro faz live no Facebook após reportagem da TV Globo sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco Imagem: Reprodução/Facebook Jair Bolsonaro

Colunista do UOL

21/12/2022 11h43Atualizada em 21/12/2022 15h31

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O decreto de renovação das concessões das principais emissoras de TV brasileiras, incluindo a Globo, pelo período de 15 anos, conforme prevê a Constituição, confirma que as ameaças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ao longo de quatro anos nunca passaram de bravatas.

Bolsonaro sempre odiou a Globo, a via como inimiga, mas não tinha instrumentos legais para impedir o seu funcionamento. A hostilidade em relação à emissora foi útil ao presidente, do ponto de vista retórico. Ajudou a reunir ao seu redor outros "inimigos" da Globo, emissoras concorrentes e bolsonaristas apaixonados.

Essa postura foi estabelecida ainda em 2018, durante a campanha eleitoral, quando Bolsonaro confrontou a Globo em entrevistas dentro da própria emissora, no Jornal Nacional, e na GloboNews, causando constrangimentos a Renata Vasconcellos e Miriam Leitão. Em mais de uma ocasião, aliás, Bolsonaro e seus filhos atacaram Miriam.

Bolsonaro estabeleceu a Globo literalmente como "inimiga", ajudando a insuflar os seus apoiadores, em 2019. A hashtag #GloboLixo ganhou impulso neste período, transformando a emissora carioca numa espécie de "Geni" das redes socias. Nas ruas, repórteres da emissora foram ameaçados e agredidos por bolsonaristas em dezenas de ocasiões.

Em fevereiro daquele ano, o vazamento do áudio de uma conversa com Gustavo Bebianno, então ministro da Secretaria-Geral de governo, deixou claro como Bolsonaro buscava posicionar a emissora. Ao exigir que Bebianno cancelasse uma reunião agendada com Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de relações institucionais do Grupo Globo, ele dizia:

"Inimigo passivo, sim. Mas trazer o inimigo para dentro de casa é outra história. Pô, cê tem que ter essa visão, pelo amor de Deus, cara. Fica complicado a gente ter um relacionamento legal dessa forma porque cê tá trazendo o maior cara que me ferrou - antes, durante, agora e após a campanha - para dentro de casa."

No dia 29 de outubro de 2019, numa live transmitida da Arábia Saudita, Bolsonaro se referiu à Globo com as seguintes palavras: "Patifaria", "não tem vergonha na cara", "porra", "patifes", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre", "nojenta", "imoral".

Referia-se a uma reportagem do "Jornal Nacional", exibida naquela noite, sobre as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido em março de 2018. Segundo o telejornal, o porteiro do condomínio onde morava Bolsonaro à época disse em depoimento que alguém com a voz "do seu Jair" autorizou a entrada de um dos suspeitos da morte da vereadora no dia do crime.

Naquela live o presidente voltou a falar, de forma vaga, mas em tom de ameaça, sobre a renovação da concessão da Globo, que deveria ocorrer em 2022. "Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ser perseguição. Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem pra ninguém".

Em 2021, voltou a tratar do assunto: "A Globo tem encontro comigo ano que vem. Encontro com a verdade". E acrescentou: "Não vou perseguir ninguém. Tem que estar com as certidões negativas em dia, um montão de coisas aí". Apesar da ameaça, registrei na época que o presidente não tem o poder sozinho de não renovar uma concessão de TV.

As ameaças vagas e veladas prosseguiram ao longo de todo o mandato, reforçando o interesse do presidente em aparecer, diante dos seus apoiadores, como alguém com coragem de enfrentar a mídia, em especial, a Globo. A tática rendeu frutos no período, insuflando a militância, mas era apenas isso. Palavras.