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Mauricio Stycer

REPORTAGEM

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HBO propôs pagar R$ 446 mil a Flordelis por depoimento em documentário

Flordelis no teceiro episódio da série documental "Flordeli: Em Nome da Mãe" - Divulgação/HBO Max
Flordelis no teceiro episódio da série documental 'Flordeli: Em Nome da Mãe' Imagem: Divulgação/HBO Max

Colunista do UOL

13/12/2022 06h01

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"Flordelis, em Nome da Mãe", série documental da HBO Max sobre a ascensão e queda da mulher que fez fama adotando cerca de 50 crianças, está chamando a atenção pelas imagens que conseguiu da pastora e deputada federal cassada.

A equipe que produziu o documentário estava dentro da casa de Flordelis no momento em que ela foi presa e a filmou em detalhes se preparando para este momento. A pastora também foi filmada em uma cena dramática, diante do túmulo do pastor Anderson do Carmo.

O acesso privilegiado da HBO foi obtido mediante um acordo que envolveu remuneração para Flordelis. Os termos estão documentados em um contrato de exclusividade elaborado pela produtora Wall to Wall, uma outra divisão da Warner, assinado por Flordelis em junho de 2021. Há o cuidado de não se falar em cachê ou pagamento pelo acesso ou pelos depoimentos que Flordelis deu.

A remuneração é justificada de duas formas. Inicialmente, Flordelis iria ganhar uma "taxa de pesquisa" pelo levantamento de materiais a serem usados na série (fotos, vídeos, imagens das redes sociais, conteúdo do YouTube e gravações musicais). E, posteriormente, seria paga por uma "taxa de licença", autorizando a produtora a fazer uso destes materiais na série.

Flordelis se comprometeu a cooperar para a realização do programa falando tanto da sua vida pública quanto da vida privada, de acordo com os interesses da produtora.

A oferta inicial feita pela produtora foi de R$ 46 mil pela pesquisa e um valor entre R$ 90 mil e R$ 100 mil por cada um dos quatro episódios. Ou seja, um total entre R$ 406 mil e R$ 446 mil. Um segundo contrato detalhou esses valores e a forma de pagamento. Flordelis recebeu uma parte desse valor.

Ao aceitar os termos propostos pela Wall to Wall, Flordelis se comprometeu a garantir acesso exclusivo da produtora ao seu cotidiano e também ao dos membros da sua família e da casa em que morava durante um período de seis meses. Ela ficou impedida, no período, de dar depoimentos para outros filmes ou séries sobre a sua vida. Mesmo entrevistas à imprensa tiveram que passar pelo crivo da produtora.

O Globoplay realizou uma série documental sobre Flordelis, "Questiona ou Adora", sem acesso direto à protagonista, mas ouvindo pessoas da família ou próximas a ela.

Entrevistada pelo UOL nesta segunda-feira (12), a diretora de "Flordelis, em Nome da Mãe", Suemay Oram, não negou a existência do acordo, mas disse: "Isso é uma coisa que eu não posso comentar, mas você pode perguntar pra HBO".

Procurada, a HBO também não desmentiu a informação: "A Warner Bros. Discovery não comenta sobre processos internos. 'Flordelis: Em Nome da Mãe' é uma série documental, que apresenta fatos do caso amplamente conhecido pelo público, sem interpretações parciais, a partir de materiais de acervo pessoal e entrevistas com fontes da defesa e da acusação envolvidas no caso."

Na mensagem que enviei à HBO, lembrei uma questão ética envolvida no pagamento a Flordelis: "Como se trata de uma série protagonizada, então, por uma acusada por um crime, considero muito relevante informar ao espectador que ela franqueou acesso à equipe em troca de recursos." O canal não respondeu.

Já a advogada de Flordelis, Janira Rocha, disse ao UOL que quando assumiu a defesa da pastora ela já tinha um acordo com a produtora Wall to Wall. "Eu não participei dessa discussão. Quando cheguei no caso, essa produtora já estava com ela. Não tenho informação sobre se houve, se não houve, quanto foi. Foi uma coisa que fiquei totalmente por fora. Não participei", disse.

Flordelis foi acusada de ser a mandante do homicídio do pastor Anderson do Carmo, seu marido, ocorrido em junho de 2019. Quando o acordo com a HBO foi feito, em junho de 2021, ela ainda era deputada federal. Foi cassada em agosto e presa dias depois. Em 13 de novembro deste ano, Flordelis foi condenada a 50 anos e 28 dias de prisão. Ela respondia por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosamente armada.

O acordo para a realização da série documental levanta outra questão ética importante: é correto remunerar uma pessoa acusada de um crime com o objetivo que ela conte a sua versão da história? Decorrente desta questão, há uma outra: pagando Flordelis, como acreditar que a história está sendo contada corretamente, sem algum viés favorável à então acusada que recebeu dinheiro por isso?

Sobre este segundo ponto, a diretora Suemay Oram, e o codiretor, Maurício Monteiro Filho, asseguram que não tomaram partido algum. "A gente não é influenciado por nada", disse Suemay. "Independente do que acontece nos bastidores, eu só vou lá para ter certeza que a gente fez um trabalho bom em termos de equilíbrio", afirmou ela. "Nosso trabalho é extremamente observacional. A perspectiva é de uma mosca na parede", disse Monteiro Filho. "A gente teve o mesmo acesso do outro lado", acrescentou.

"Inventando Anna"

Um caso semelhante envolveu a Netflix. Foi revelado que a empresa pagou US$ 320 mil (cerca de R$ 1,6 milhão) a Anna Sorokin, a mulher condenada criminalmente por alguns dos golpes relatados na minissérie "Inventando Anna".

Em maio de 2019, quando se soube que a Netflix havia feito esse pagamento, a Justiça de Nova York congelou os fundos de Sorokin com base na chamada lei "Son of Sam", criada justamente com o objetivo de impedir que criminosos lucrem com seus crimes. A lei foi aprovada em 1977, depois que editores ofereceram dinheiro ao serial killer David Berkowitz, conhecido como "Son of Sam", para um livro de memórias sobre seus crimes.

Porém, quando soube que Sorokin estava usando os recursos da Netflix para pagar suas dívidas, um juiz determinou que a conta bancária fosse "descongelada".