Obras investigadas pela PF tiveram emendas de líder do União Brasil

No final de 2022, ainda no governo Jair Bolsonaro, Elmar pediu que fossem enviados R$ 40 milhões à cidade via emendas de relator ("orçamento secreto"), pleito atendido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

É possível saber que a indicação partiu de Elmar Nascimento porque ela foi feita após a criação do Sindorc (Sistema de Indicação Orçamentária), quando o orçamento secreto já estava sendo questionado pelo Supremo.

Procurado, Elmar negou irregularidades, convidou a reportagem a visitar Campo Formoso para conhecer as obras e disse que deputados conhecem as necessidades de seus eleitores (leia a resposta do deputado ao final do texto).

O município usou o dinheiro para duas licitações em convênio com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco), gerando dois contratos, de R$ 45 milhões e R$ 12 milhões, no final de 2023 e início de 2024.

As duas licitações foram vencidas pela Allpha Pavimentações. A PF encontrou diálogos e documentos que mostram indícios de um conluio entre o pregoeiro, Márcio Freitas dos Santos, o secretário municipal Francisco Nascimento, primo de Elmar, e os empresários, para que a Allpha vencesse os certames.

Trocas de mensagens demonstram que os empresários receberam informações antecipadas sobre as licitações, influenciando os termos das concorrências, fizeram pagamentos para Francisco Nascimento e uniram esforços com ele e com o pregoeiro para desclassificar concorrentes.

Durante sessão de uma das concorrências, Francisco chegou a atualizar Alex Parente em tempo real sobre as propostas de seus concorrentes e explicou como faria para eliminar as outras empresas. "Eu tirei uma e o pregoeiro outra", disse.

A Allpha recebeu R$ 56,9 milhões da prefeitura em 2023. Parte dessa verba veio do próprio município, abastecido também com R$ 21 milhões em "emendas Pix" enviadas por Elmar Nascimento.

Preso preventivamente em dezembro pela Operação Overclean, Francisco Nascimento arremessou uma bolsa com R$ 200 mil em dinheiro pela janela no momento da ação policial. O material foi interceptado pela PF. Francisquinho, como é conhecido, foi solto no final do ano passado e tomou posse como vereador.

Contrato anterior foi rescindido

O contrato de R$ 45 milhões para pavimentar uma estrada entre os bairros de Lagoa do Porco e Lagoa Branca, em Campo Formoso, foi a terceira tentativa de asfaltar o mesmo trecho em menos de quatro anos.

Antes da Allpha, havia um contrato da Codevasf de R$ 38 milhões com a construtora Construmaster que previa pavimentar o trecho com CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente), tipo mais durável e mais caro de asfalto.

No final de 2022, porém, a Codevasf constatou que seria mais econômico pavimentar o trecho com TSD (Tratamento Superficial Duplo) e decidiu romper o contrato, prevendo uma economia de 33%.

A decisão partiu da superintendência da Codevasf em Juazeiro (BA), chefiada por Miled Cussa Filho, indicado por Elmar Nascimento.

Em seguida, a Codevasf fechou um convênio com o município de Campo Formoso para realizar uma obra com TSD por R$ 45 milhões — procurada pelo UOL, a estatal disse que o contrato é mais caro porque engloba mais serviços.

A concorrência aconteceu em sessão presencial em agosto de 2023. Havia outra empresa competindo, mas sua documentação foi reprovada.

Mensagens analisadas pela Polícia Federal mostram que, quando a Allpha finalmente foi remunerada por esse contrato, Francisco Nascimento pediu que o pregoeiro fosse gratificado por sua suposta participação no conluio.

"Jovem, vê se consegue deixar algo do pregoeiro. O cara é parceiro e ajudou", disse Francisco a Alex Parente, em referência a Márcio Freitas dos Santos.

'Um brega'

Entre o final de 2023 e início de 2024, a prefeitura de Campo Formoso realizou a licitação para o contrato de R$ 12 milhões — que, como mostrou o UOL, inclui um trecho em frente à fazenda do pai de Elmar, José Aluizio Nascimento.

Seis empresas de construção se apresentaram para fazer a obra. A prefeitura cobrou documentos comprovando capacidades técnicas das empresas e desclassificou todas, exceto a Allpha e a Lumax Ltda.

Alex Parente foi informado de todos os passos dessas desclassificações. Em 27 de dezembro, dia da entrega das propostas, Francisco sugere que Alex ligue para um dos concorrentes.

"Quer ligar logo pro malandro da outra vez?", pergunta. "Ele está aí (na sala) é?", pergunta Parente. Francisco manda uma foto mostrando, na sala, a pessoa de quem estavam falando. "Um brega", afirma Francisco.

Depois, Francisco comenta os problemas nas qualificações dos concorrentes. "Eu tirei uma (empresa) e o pregoeiro outra", afirma.

Eles comentam a lista de empresas. "A última eu consigo saber o preço", garante Francisco ao empresário. No final das contras, sobraram no páreo a Allpha Pavimentações e a Lumax Ltda.

Uma das construtoras recorreu, dizendo que a exigência pela qual foi desclassificada era abusiva. Ela teria deixado de comprovar que tinha equipamentos aptos para "execução de sub-base de solo estabilizado granulometricamente sem mistura com material de jazida".

Com base em um parecer assinado por um ex-assessor parlamentar de Elmar Nascimento, o advogado Guttemberg Nascimento Ferreira, hoje procurador do município de Campo Formoso, esse recurso foi negado.

Teve início, então, o esforço para que a Lumax desistisse do pleito. Em mensagens analisadas pela PF, Fábio Parente diz a seu irmão, Alex Parente, ter conversado com o representante da Lumax. "Cara gente boa", relata. Diz que vai entrar em contato com ele para "alinhar", e depois relata que está "tudo alinhado".

No início de 2024, foram abertas as propostas da Lumax e Allpha. A Allpha se ofereceu para executar o serviço por R$ 12,18 milhões, e a Lumax, por R$ 12,28 milhões. A primeira empresa foi a vencedora e assinou o contrato.

A PF encontrou uma transferência de R$ 100 mil para um intermediário, cujos dados bancários foram enviados por Francisco Nascimento a Alex Parente, que consistiriam, segundo aponta a investigação, em uma retribuição à Lumax por ter feito uma proposta pior. Fábio Parente fez o pagamento.

A Operação Overclean investiga uma rede de empresários e políticos suspeitos de desviar dinheiro de licitações em órgãos públicos da União, estados e prefeituras, envolvendo principalmente empresas da Bahia.

Foram 17 alvos de prisão preventiva cumpridos em dezembro. Os investigados foram soltos antes do final do ano e estão cumprindo medidas cautelares, como o uso de tornozeleira e proibição de viajarem para fora do país.

Outro lado

A Prefeitura de Campo Formoso informou que, assim que os fatos da Operação Overclean se tornaram públicos, criou uma comissão para fiscalizar a regularidade dos processos licitatórios citados na operação.

"Vale salientar que uma das obras citadas na Operação é a pavimentação asfáltica da estrada que liga Lagoa do Porco à Lage dos Negros, representando 43 km que promovem o escoamento de produtos e de uma rica cultura quilombola que se concentra na segunda comunidade rural supracitada."

A Prefeitura reiterou sua "preocupação em garantir a transparência em todas as etapas da investigação". "É importante reiterar que as execuções contratuais de obras são acompanhadas de perto, com rígida fiscalização, pelo quadro técnico do município."

Elmar Nascimento enviou à reportagem a resposta abaixo, que pediu que fosse publicada na íntegra.

"Convido você pra ir lá pessoalmente olhar a obra e comparar com qualidade e preço com as executadas pelo Governo do Estado na mesma região do município. Será recebida pelo vice-prefeito natural daquela região, que ocupa a prefeitura interinamente por 30 dias durante as férias do prefeito."

"Vai pessoalmente conhecer as transformações realizadas num dos maiores quilombos do Brasil que transformou a vida de pessoas que mais precisam. Faz uma matéria isenta e vai cobrir o maior exemplo de que emendas parlamentares patrocinadas por deputados que tem relação e conhecem as necessidades do seu povo são mais importantes do que decisões tomadas pela burocracia de Brasília. Não participe da criminalização da política. Investigação deixa por conta da PF, e quem fez algo errado que pague."

A Codevasf disse que rescindiu o contrato em Campo Formoso com a Construmaster porque "foi identificada a necessidade de incluir serviços não previstos na planilha orçamentária inicial".

"É importante destacar que o convênio é um instrumento de transferência de recursos, sendo que a licitação, a contratação, a mediação e os pagamentos são de responsabilidade da prefeitura. À Codevasf cabe, acompanhar os serviços executados e aprovar ou não a prestação de contas", disse a estatal.