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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Live do Dia da Mentira mostra a verdade sobre quem é Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na live desta quinta-feira (1º) - Reprodução
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na live desta quinta-feira (1º) Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

02/04/2021 13h28Atualizada em 06/04/2021 09h01

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Em três minutos de análise da live do capitão neste 1º de abril, a imagem do autoritário, despreparado, desorganizado e egoísta. São esses os atributos que podem ser identificados quando se assiste à fala do capitão. Como desdobramento dessas qualidades, estão a infantilidade, a impaciência e a dissimulação.

Não é preciso percorrer os 58 minutos de exposição para entender do que se trata o capitão-deputado.

Fico em três minutos sem analisar as mensagens, as palavras em si, mas em relação ao conjunto dos sinais da sua comunicação.

Cabelo à escovinha, úmido, como quem saiu do banho para o "programa", mostra que tem preocupação em se apresentar bem, mas os ombros levantados e ligeiramente projetados para a frente demonstram tensão e falta de segurança - possivelmente está com os pés cruzados sob a mesa, um ensaio de movimento de quem vai pular em cima do outro.

Além disso, coloca-se ligeiramente à frente dos dois "parceiros de live", sentados ao lado dele, indicando que é o chefe. Uma postura típica que tem reforço numa fala recorrente de quem "quem manda aqui sou eu".

A cabeça projetada para a frente, como o queixo ligeiramente erguido, mostra, além da arrogância a vulnerabilidade, a insegurança. Como se a sua grande missão fosse a de desmentir e de desqualificar quem o contesta. Esse modelo que é impresso e se reproduz nas suas redes sociais, o "seu" exército, cuja atuação se baseia na intimidação.

A postura autoritária aparece também na maneira como apresenta os coadjuvantes do seu programa. Dá os nomes de cada um, porém, ao fazê-lo, não olha para eles e nem abre espaço para os dois fazerem quaisquer gestos, apontando com o dedo polegar - eu mando!

Numa manifestação inequívoca de autoritarismo, introduz "um dos mais novos ministros" sem lhe dar qualquer importância, num movimento de mão, como se estivesse empurrando para o lado algum objeto, revela desdém, mas que alimenta o servilismo de Roma, o tal ministro da Cidadania, que se apoia com as duas meias-mãos na mesa e mantém um sorriso beatífico de quem se sente ungido por mãos divinas a pertencer ao centro do poder.

A falta de repertório, a pobreza de vocabulário e estrutura de discurso denotam despreparo. Isso fica evidente nos primeiros três minutos da live e vai se repetindo monotonamente ao longo de quase uma hora. Ao anunciar a presença do presidente da Caixa, observa que o auxílio emergencial, uma das suas pautas, "tem tudo a ver coma Caixa também". Tem dificuldade de elaborar frases simples que contenham uma informação completa, como por exemplo: a Caixa Econômica Federal realiza os pagamentos dos beneficiários do auxílio emergencial.

O capitão-deputado tem pressa, é impaciente, quer se livrar dessas histórias de pandemia, de gente morrendo, de hospitais lotados. Nada disso o sensibiliza. Mas tem uma tarefa a cumprir e isso é representado pela mesa de "trabalho" cheia de bilhetinhos para alguém que não consegue ter uma linha de raciocínio estruturada, precisa ser alimentado pouco a pouco com informações em doses homeopáticas.

Quando inicia a sua transmissão olha para o conjunto da papelada à sua frente - dizendo que tem muita coisa importante para falar - mas está meio sem rumo - olha de um lado a outro e pega a primeira folha de papel sobre a mesa, numa ordem em que o capitão consegue entender o que vem primeiro, mas tudo apresentado de maneira telegráfica, em informação, mas contendo afirmações. São o ponto de partida para um discurso genérico. Ele não consegue elaborar raciocínios complexos ou juntar informações de maneira integrada.

E vai para a leitura, informando que "o governo federal continua liberando recursos para leitos de UTI". É interessante observar que, ao terminar de fazer a frase sucinta, joga o papel sobre a mesa, descartando, como se o assunto não tivesse a menor importância. Mostra uma certa impaciência e despreparo - sem trazer números, descrever processos, ou indicar concretamente como são realizadas ou coordenadas essas ações. Não tem paciência para os fatos. Portanto, não tem "faltado leito". Porém, para afirmar o que a realidade desmente, apela para a cumplicidade do novo-ministro Roma, olhando para ele pela primeira vez, apoiando-se no servilismo do funcionário que anui. A insegurança, mesmo com a roupagem de uma falsa convicção, aparece. Não posso mentir sozinho, diz sem falar. Que afundemos todos juntos! Reitera sem palavras.

O capitão precisa sempre de uma pequena plateia para garantir a ele mesmo um reforço de confiança. Tem o cercadinho do lado de fora do Palácio da Alvora, que o vitamina e os puxa-sacos do WhatsApp. São essenciais para que ele fale com convicção. Não possui autoconfiança, precisa de claque, de alguém abanando a cabeça e babando ovo. Muito inseguro.

É contraditório essencialmente porque não tem recurso de organização lógica. Ainda sobre os leitos de UTI, diz que não está faltando, e se desdiz meio minuto depois, "mas se estiver faltando é falta de planejamento por parte dos interessados". Nesse sentido, reproduz um padrão recorrente, que é o de transferir responsabilidade quando há algum problema para cuja solução é cobrado, isentando-se.

É deliberadamente vago, recurso bem ao gosto do populismo: "o governo não mede esforço" para resolver a situação. Nunca demonstra concretamente os processos, ou descreve os resultados. Mantém a fala em abstrato, permitindo que, a partir daí, se criem slogans e histórias - na sua maioria fruto de imaginação paranoica - alimentando um público com perfil semelhante: despreparado, infantil, raivoso e autoritário.

O capitão-deputado por 27 anos tem o modelo mental perverso dos insensatos, dos tolos determinados, dos ignorantes, que usam uma meia informação para desmentir a realidade. Não falta seringa, comemora, lembrando que sofreu "pancada", com o Pazuello - sócio na tragédia, mas que "hoje ninguém fala que falta seringa". Sim capitão, não falta seringa porque não tem vacina. Seringas são usadas para aplicar a vacina.

A maneira do capitão-deputado se expressar, ligeirinho, às vezes tropeçando na própria língua, mostra a pressa de quem quer se livrar de um tema sobre o qual não tem conhecimento necessário, incapaz que é de analisar. Fica na pressa. Foi assim que mandou as pessoas que queriam vacina "comprar na casa da mãe". O capitão se vale do senso comum, da percepção ligeira, da obviedade e daí a impaciência quando lhe pedem explicações. Não as tem. Usa os palavrões como vocabulário de apoio.

A cena montada no Palácio da Alvorada para a live do capitão reformado revela com precisão como funciona a cabeça dele. Os papéis com os "lembretes", que são a pauta do programa, ficam enfileirados numa lógica confusa. Porque pega um que está no meio de uma sequência, indicando que os assuntos têm uma prioridade aleatória, ao gosto do chefe. Vai de pedaço em pedaço de papel, olhando aqui e ali, fazendo escolhas pontuais, porque não tem a capacidade para olhar o todo, a partir da sua complexidade, dentro de uma organização integrada.

Outro ponto importante que estrutura a imagem que pretende projetar e fortalecer é a de "coitadismo". Conta que é vítima de pancada, de massacre contra si pelos de sempre, a mídia, em especial.

Uma estratégia básica de vilões, quando são pegos com a mão no butim, é tentar se passar por vítima. Assim, cria algozes e distrai o público do que é está acontecendo. Na vitimização, o vilão conta que busca soluções, mas que é "impedido" - ele lembra que foi castrado - criando também um discurso em que os malfeitores são sempre os outros.

Mas é pura prestidigitação. O vilão não consegue esconder a sua natureza. O "não estou nem aí" - quando fala sobre leitos de UTIs é visível, ao se referir à compra de "material para entubação". Sim, o corpo fala. Com um gesto padrão de quem se "livra do problema", joga o papel em que está o lembrete sobre as ações do desgoverno dele, passa ao tema seguinte sem parar um segundo que seja para mostrar apreço, respeito por aqueles que são os personagens mais trágicos da pandemia: os doentes, os mortos, os parentes, o povo exposto à insanidade da gestão da pandemia.

Sim, o capitão deputado não está nem aí. Em apenas três minutos confirma, ao vivo e em cores: autoritarismo, despreparo, desorganização. Na contramão da realidade, usa o tempo para criar inimigos e fugir à responsabilidade. Até que a sociedade diga: capitão, não estamos mais aí para você.