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Olga Curado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lições de 8 de janeiro: leniência, lentidão, bom mocismo

09.jan.23 - Uma pessoa inspeciona os danos após apoiadores do motim antidemocrático do ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em Brasília - UESLEI MARCELINO/REUTERS
09.jan.23 - Uma pessoa inspeciona os danos após apoiadores do motim antidemocrático do ex-presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em Brasília Imagem: UESLEI MARCELINO/REUTERS

Colunista do UOL

09/01/2023 14h27

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A destruição, o vandalismo, o terrorismo e a violência explícitos nos gestos tresloucados e determinados contra a nação brasileira, na invasão das três sedes dos poderes da República, além da infâmia, são um alerta que exige um aprendizado para todos nós, em especial as autoridades constituídas.

Fazer a engenharia reversa, a cronologia do terrorismo anunciado, invoca uma teoria de Nassim Taleb, o autor de "Cisne Negro", em que descreve a quebra de paradigmas nas relações institucionais e sociais, por meio de eventos imprevisíveis, e que marcam a nossa contemporaneidade, como a bolha imobiliária de 2008. Foi utilizando essa lógica que o ministro da Justiça, Flávio Dino, justificou a sua perplexidade diante dos fatos ocorridos. Lembrou o contato realizado na manhã de domingo com o governador Ibaneis Rocha, de quem ouviu um tranquilizador "tudo sob controle", muito embora a inteligência da Polícia Federal apontasse em outra direção.

O bom-mocismo nas relações republicanas pode ser praticado em gestos de cortesia, na etiqueta das relações institucionais, mas não pode ser o fiador das decisões, especialmente quando o governo que tomou posse há dez dias significa uma ruptura com um modelo que se instalava no país, de fascismo e tentativa intermitente de golpes contra a democracia.

Da mesma forma não cabe surpresa à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, que tem à sua disposição aparato de inteligência responsável, o mesmo que em 7 de setembro do ano passado orientou a colocação de barricadas desde três quilômetros do prédio do Tribunal, num gesto preventivo, mas também intimidador, contra potenciais iniciativas antidemocráticas prenunciadas para a data. Essas decisões sinalizaram a disposição de não admitir nem retoricamente manifestações que pusessem risco aquela instituição. E obtiveram como resultado um recuo tático do ex-capitão.

Também não cabe perplexidade ao presidente interino do Senado, senador Veneziano Vital do Rego, que, como nos outros poderes, possui serviço de informação e polícia legislativa, a qual, aparentemente não estava de prontidão diante da lenta marcha dos manifestantes, que, escoltados pela polícia do Distrito Federal, se dirigiam à Praça dos Três Podres.

Se, no caso do ministro da Justiça, Flávio Dino, o seu argumento foi um histórico recente de cooperação do governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, quando da diplomação dos atuais presidente e do vice-presidente da República, em 12 de dezembro, e a festa da posse na Esplanada dos Ministérios, passou o pano na memória da violência ocorrida no próprio dia 12 de dezembro, quando houve queima de ônibus e depredação sob as vistas das autoridades de segurança pública do Distrito Federal. Fincou-se na confiança de relações institucionais sem a prevenção necessária, ainda que tivesse feito chamamento da Força Nacional, contingente irrisório de pessoal para o tamanho do desafio.

Os presidentes dos poderes Legislativo e Judiciário estavam desatentos e aparentemente desprovidos de senso de urgência, exercitando as suas presidências sonolentamente. O ritmo de decisão da ministra Rosa Weber já foi testado nas eleições de 2018, quando na presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Aí revelou pouco compreender em relação as fake news no contexto da disputa para a Presidência da República, atuando burocraticamente. O senador Veneziano, com sua retórica empolada, também pode não ter compreendido o significado do momento e o tamanho da sua responsabilidade e necessidade agir com celeridade.

O golpismo não pode ser resolvido via Twitter e a manifestação de desagravos, ou ações de relações públicas, como a tentada pelo governador afastado, com o seu risível pedido de desculpas. A agilidade das assessorias em fazer postagens dos líderes, nas redes sociais, precisa se materializar em gestos concretos que demonstrem a capacidade das lideranças em atuar em situações de emergência.

A leniência evidente das forças de segurança e a convivência pacífica entre autoridades militares dos quartéis do Exercício, ao lado de incubadoras de terrorismo - que são os acampamentos golpistas - junto com a lentidão em atuar - foram mais de três horas até que se iniciasse a repressão aos terroristas - e as falas monótonas de repúdio aos atos inaceitáveis, são as bandeiras de alerta em instituições de estado corroídas por ideologias fascistas.

Fica no colo do ministro Alexandre de Moraes, movido pela diligência do senador Randolfe Rodrigues, a resposta requerida pela magnitude dos fatos, o afastamento do governador do Distrito Federal. A intervenção na segurança pública, passo inicial segundo a cartilha legal, indicou o reconhecimento imediato do equívoco da inação da polícia de Brasília. São providencias, que, como se viu, remetem à imagem do cadeado nas portas arrombadas.

O aprendizado urgente e necessário: não pode haver espaço na gestão pública para se conviver com leniência; a atenção não implica em transferir para o outro total responsabilidade quando se está vulnerável e bom-mocismo não pode prevalecer sobre informações que apontam para riscos. A gestão das informações, para quem tem a incumbência de preservar e fortalecer a democracia, é uma competência da qual um líder de poder não pode abrir mão.