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Otávio Rêgo Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A liturgia se impôs no enterro da Rainha Elizabeth 2ª

Funeral da rainha Elizabeth 2ª: após o funeral, caixão da rainha deixa Abadia de Westminster - Reprodução/BBC
Funeral da rainha Elizabeth 2ª: após o funeral, caixão da rainha deixa Abadia de Westminster Imagem: Reprodução/BBC

Colunista do UOL

20/09/2022 00h00

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Do Castelo de Balmoral, na Escócia, veio a notícia aguardada, mas não ansiada. Elizabeth morreu!

Correria a passos lentos. Ajustes nos preparativos já planejados, proclamação de Charles 3º, cortejo pelo Reino Unido.

O esquife por fim repousou sobre uma imponente estrutura no centro do Salão Westminster, no parlamento do Reino Unido.

A lhe aquecer, a flâmula da casa real e sua tradição secular.

A lhe proteger, uma guarda de soldados do regimento do Rei.

A lhe indicar a importância do corpo abrigado, a coroa magnífica, o cetro e o orbe sobre o caixão.

Filhos, netos, bisnetos, nobreza se revezam nos últimos momentos de contato físico com a Rainha Elizabeth 2ª que liderou o Reino Unido por mais de setenta anos.

Chefes de Estado, de Governos, de Organizações Multilaterais se rendem à figura simbólica que orientou a comunidade inglesa ligada à coroa por laços de toda natureza.

Lá fora, uma multidão se presta a permanecer dias na fila de cumprimentos para, em poucos segundos, passar diante da Rainha e curvar-se numa reverência incompreendida além das fronteiras daquele grande império.

A liturgia se impõe em horas como essas. Um rito calculado a ser observado nas cerimônias, nos gestos, nos atos públicos e privados, que denotam respeito à sacralidade do momento e do cargo.

A tradição, os valores, a mística tornaram o cerimonial da partida da soberana uma luz a assegurar o recomeço para o soberano que assume, com olhos apontados para o futuro desafiador, mas ancorado em passado exitoso.

Ontem (19.09.22), o mundo acompanhou a última carga vitoriosa da Rainha rumo ao castelo de Windsor, onde Elizabeth aguardará o aconchego da história.

O milimétrico processo e o cerimonial irreparável, que envolveram as exéquias da Rainha, à vista de milhões de súditos e não súditos, reforçaram o caráter inglês de conduzir as efemérides que distinguem aquela realeza.

A alternância do poder físico e até do poder espiritual das nações, sob qualquer forma ou regime de governo, precisa estar centrada na trilha balizada pela liturgia social de cada povo.

Como linha mestra a ser perseguida, essa trilha deve promover segurança, paz e bem-estar sociais.

Deve render homenagens pretéritas a personagens formadores da nacionalidade e ajoelhar-se aos seus feitos.

Deve afugentar a indiferença, por ser terreno fértil para o mal e para manipulações ao bem.

Deve forçar à reflexão que promova a capacidade de escolher e não apenas de obedecer e seguir como um rebanho.

A meditação sobre a liturgia vem em boa hora, por vivermos a ansiedade do desconhecido diante da proximidade de uma renovação de poder no Brasil.

É momento de fazer descer a democracia do céu dos princípios para a terra onde se chocam interesses consistentes, conforme sinaliza Norberto Bobbio, em sua obra O FUTURO DA DEMOCRACIA.

Falta-nos, a nós brasileiros, a determinação de enquadrarmos nossas lideranças em disputa, neste momento de mudança do cetro, do orbe e da coroa para outras mãos, e de fazê-las menos viscerais.

De fazê-las respeitar para serem respeitadas.

De fazê-las submissas às leis que a todos protegem.

De fazê-las aceitar o dissenso.

De fazê-las representar com dignidade o povo brasileiro para o mundo em expectativa sobre o nosso futuro.

De fazê-las submeter-se ao espaço físico que lhes é autorizado sem ressalvas, evitando encontrar escusas para fugir ao enquadramento.

Não se busca uma fórmula ideal, quase utópica, para alternância de poder, ou para um governante governar, quando se sabe da sua inexistência no mundo contemporâneo.

Mas que ela se ajuste à esfera do "pode ser". E, pouco a pouco, se aproxime do sentido ético e moral do "deve ser".

O próximo Chefe de Governo precisará vestir-se com humildade construída nas teias da liturgia de seu cargo.

Dar-nos orgulho e, acima de tudo, conforto para tomá-lo como liderança inspiradora a nos guiar no recomeço que se vislumbra em poucas semanas.

O Rei Charles 3º se preparou anos para isso. Aqui, o tempo é muito mais curto.

Paz e bem!