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Otávio Rêgo Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Contemplando o país da desinformação

12.jun.2013 - O general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz, em um reconhecimento, antes de assumir o comando da MONUC, missão da ONU na República Democrática do Congo. - Sylvain Liechti/MONUSCO
12.jun.2013 - O general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz, em um reconhecimento, antes de assumir o comando da MONUC, missão da ONU na República Democrática do Congo. Imagem: Sylvain Liechti/MONUSCO

Colunista do UOL

23/08/2022 00h00

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Após uma temporada de missão de avós, acompanhando os netos no recomeço das atividades pós-férias, eu e minha esposa voltávamos para Brasília.

Já havíamos passado pela área de segurança e como ainda faltava razoável tempo para o embarque, sentamo-nos um pouco afastados do burburinho da área de embarque.

Fiquei a observar as pessoas.

Quase um exercício contemplativo de um filósofo a examinar o mundo de um ponto distante da realidade carnal.

Um casal de idosos, talvez avós, acompanhado de duas crianças conversadeiras e interessadas na tela de um tablet, oferecia um lanche aos meninos.

Uma jovem passou correndo, arrastando dessas malas de mão enormes para os bagageiros das aeronaves, mas que todos insistem em levar na cabine.

Cada um com seus desafios, com suas expectativas.

Meu telefone sinalizou uma mensagem de WhatsApp. Como se tratava de um amigo, resolvi abri-la imediatamente. Ele postava uma matéria recém-publicada, informando que o General Santos Cruz havia sido convidado pela ONU para acompanhar um caso de ofensa aos direitos de guerra (Convenção de Genebra), ocorrido há poucos dias na Ucrânia.

Logo abaixo, ele me questionava:

- O que você acha dessa nomeação do Santos Cruz?

E mais abaixo transcrevia um texto apócrifo, no qual o seu formulador chamava o general de esquerdista, de homem alinhado com o imperialismo e com o globalismo, razão pela qual a ONU o distinguia em muitas missões para representá-la. Concluía que o nosso país logo seria tomado pelos donos do mundo.

Aliás, DONOS DO MUNDO é o título de um livro escrito por Cristina Martín Jiménez, uma pesquisadora espanhola, que circula com sucesso entre grupos contrários às instituições globais.

Fiquei perplexo com a forma desrespeitosa com a qual o texto tratou o General Santos Cruz. Afinal, sempre me pareceu que nossos militares (até por experiência própria) quando designados para missões da ONU, como observadores ou integrantes de um contingente de manutenção de paz, representavam o país e, portanto, se transformavam em instrumentos de projeção de poder junto a outras nações. E esse era o caso.

O General comandou por dois anos e três meses a missão de estabilização de paz no Haiti - MINUSTAH e, depois, mesmo na reserva, foi reconvocado para liderar a mais difícil operação de guerra sob bandeira das Nações Unidas naquele momento, na República Democrática do Congo - MONUC, na qual permaneceu por dois anos e seis meses.

Como desconsiderar o trabalho desse militar? E por que vinculá-lo à questão ideológica, quando se trata exclusivamente de assunto profissional, de interesse daquele órgão multilateral, aceito como um moderador das falhas de relação entre nações?

Respondi ao amigo rapidamente e sem aprofundar. Disse-lhe que eu já trabalhara com General quando identifiquei a sua coragem moral, seu profissionalismo e senso de organização, e no caso específico do convite do Secretário-Geral da ONU, o passado confirmava a capacidade do Santos Cruz de representar o país.

O alto-falante chamou para o embarque. Seguimos os protocolos e tomamos assento dentro do avião. Mas aquilo não me saía da cabeça. De onde vinha tanta desinformação?

Esses grupos de mensagem, em uma miscelânea de aleivosias e mentiras, independente de matiz ideológico, estão se caracterizando por apenas aceitarem aqueles que respiram o mesmo alucinógeno que eles respiram e aqueles que rezam pela mesma cartilha sem páginas que eles rezam.

No dia seguinte, um militar com quem tenho relações de amizade de muitos anos me enviou uma mensagem:

- Você leu essa matéria (anexava o link)? Conheço o General Santos Cruz, ele não é um esquerdalha! Pensar distinto não é pecado. Não é correto valer-se do anonimato para deslustrar a honra e o passado desse e de outros militares. Discordância leal, associada à disciplina intelectual, sempre esteve em nossos alforjes diários. É nossa obrigação fazer uso desses atributos.

Gente ponderada já fazia contraponto à fofoca. As águas pareciam voltar ao leito normal do rio que conduz homens e mulheres das armas, unidos sob o rígido sentido de servir por servir.

Até quando esse divisionismo irá imperar?

No âmbito da sociedade trata-se de questão menor do campo da rasa política. Da política sem projeto para o todo. Apenas dos interesses pessoais e paroquiais.

Mas quando instituições, moldadas pelos atributos de respeito à hierarquia e disciplina e vestidas de ética e moral passam a conviver sutilmente com estes desvios?

Ainda que os comentários sejam emanados de parcela ínfima e não responsável pela institucionalidade que a organização precisa carregar para dar equilíbrio e legitimidade às suas ações, essa postura soa estranha.

Deixo claro, não tenho procuração para falar em nome do General Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Tão somente me vejo, mais uma vez, como um filósofo contemplativo, com armas ensarilhadas, a observar o papel da sociedade e de nossos militares em suas pelejas diárias. Ainda haverá muita turbulência nesse voo.

Paz e bem!