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Otávio Rêgo Barros

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não é o cargo que lustra o homem, é o homem que lustra o cargo

22.jun.2017 - O KC-390 foi projetado no Brasil para ser um avião de transporte militar. O cargueiro tem capacidade para levar até 26 toneladas - Divulgação
22.jun.2017 - O KC-390 foi projetado no Brasil para ser um avião de transporte militar. O cargueiro tem capacidade para levar até 26 toneladas Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

18/10/2022 00h00Atualizada em 18/10/2022 11h36

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A semana passada o UOL deu destaque a uma declaração do ex-presidente Lula na qual o candidato afirma que, se eleito, o ministro da Defesa será um civil.

A discussão é antiga entre pensadores que analisam as relações civis-militares e que defendem a importância do controle civil objetivo sobre o estamento militar.

A expressão cunhada pelo professor Samuel Huntington, em seu livro O Soldado e o Estado, deve ser compreendida sob duas lentes:

  • o controle civil objetivo é o reconhecimento do profissionalismo militar autônomo; e
  • o controle civil subjetivo é a negação de uma esfera militar independente.

Só quando o poder maior de um presidente da República (comandante em chefe das Forças Armadas) constituído e fortalecido pelo voto prevalece sobre a estrutura militar, essa organização responsável pela violência em nome do Estado aumentará o seu profissionalismo com foco nos ditames legais.

Todavia, a teoria é ambivalente e não deixa claro se essa subordinação só ocorrerá se um civil for incumbido do cargo político de ministro da Defesa.

Nascida nas salas das universidades de Yale, Chicago e Harvard nos Estados Unidos da América, ao longo dos anos foi sendo aperfeiçoada, encurtando a distância entre os polos antagônicos a ponto de se admitir nos últimos anos que o processo político subordinativo pode ocorrer mesmo que o secretário de Defesa seja um militar.

No governo democrata do presidente Joe Biden, o secretário de Defesa é o general da reserva do Exército Lloyd Austin.

No último governo republicano, liderado por Donald Trump, foram o general da reserva do Corpo de Fuzileiros Navais James Mattis e o político e ex-militar, formado na Academia de West Point, Mark Esper.

Aqui no Brasil tivemos civis e militares exercendo a função de ministro de Defesa. Civis e militares se saíram bem. Civis e militares deixaram lacunas enquanto no cargo.

Não é o cargo que lustra o homem, é o homem que lustra o cargo.

Em 1947, o secretário de Defesa americano James Forrestal afirmou que o ministro da Defesa teria de ser apolítico no sentido partidário. Se era ou não era uma figura partidária na época de sua nomeação, pouco importava, desde que não afetasse o respeito que o cargo lhe conferia.

Seguia na análise o ex-secretário, o cargo de ministro da Defesa deveria ser o patamar final, não um degrau em uma carreira política.

O ministro deve ser um homem ou uma mulher com espírito de decisão. Deve ser capaz de formular política suprapartidária. De colocar o país acima de interesses pessoais ou eleitoreiros. Conciliar pleitos e assumir responsabilidades em momentos cruciais.

São raras as pessoas que combinam essas características, mas a história do Brasil demonstra que podemos encontrá-las e estimulá-las a assumirem esses desafios.

E elas, imbuídas da importância da tarefa, poderão pensar melhor nas parcerias civis-militares. As questões são várias.

  • Como estimular a atualização da doutrina das forças?
  • Os militares estão colocados adequadamente em apoio à administração pública civil?
  • A organização e os processos são adequados para o ambiente tecnológico?
  • Como mensurar o nível de adestramento e sua sinergia entre as forças?
  • O material de emprego militar está compatível com a nossa projeção de poder?
  • A formação acadêmica precisa ser aperfeiçoada e mesclada de conceitos filosóficos?
  • O efetivo em pessoal e o recrutamento sustentam a dissuasão interna e externa?
  • A infraestrutura está bem dimensionada para o tamanho de nosso território?
  • Os cenários prospectivos são atualizados constantemente?

O ministro será a viga central para trazer os líderes da política, a sociedade em geral, a academia de todos os níveis e os militares da ativa e da reserva para tomarem assento em uma távola redonda de humildade e profissionalismo.

Já passou da hora de tratar do assunto "militares" de maneira superficial, ideológica e antolhada. Discussão transparente levará a resultados condizentes com a estatura das instituições, da relevância da sociedade, da consideração pela história e do respeito às autoridades envolvidas.

Paz e bem!