Bolsonaro não nomearia a verdadeira Malu Mulher para cargo algum
A nova secretária de Cultura, Regina Duarte, não é a Malu Mulher.
A verdadeira Malu Mulher foi forçada a deixar o Brasil pela ditadura militar, da qual nunca teve dúvida da existência nem de suas crueldades e torpezas.
A verdadeira Malu Mulher culpava a ditadura por ter dizimado o corpo docente das universidades brasileiras com perseguições, aposentadorias compulsórias, prisão e tortura.
A verdadeira Malu Mulher, com mente estratégica e prática, entretanto, rejeitou a ideia de professores universitários de pedir demissão coletiva em solidariedade aos colegas forçosamente aposentados. Argumentou que os militares ocupariam os cargos com um bando de pau-mandados que enfraqueceriam a resistência à ditadura e prejudicariam a formação dos jovens alunos.
A verdadeira Malu Mulher admirava o educador Paulo Freire, com quem dividira noites de vinho e avaliações críticas no exílio no Chile.
A verdadeira Malu Mulher, escaldada em anos de pesquisas antropológicas, convenceu o presidente da República de que o dinheiro das ações sociais deveria ser direcionado às mulheres, não aos maridos _ pois as mulheres colocavam os filhos na escola, traziam comida para casa, multiplicavam e repartiam a renda.
A verdadeira Malu Mulher dizia que a arte de fazer política é a arte da pressão social _ e dizia isso quando militantes aplicados gritavam "Fora!" e "Entreguista!" para o homem com quem vivia havia mais de 40 anos.
A verdadeira Malu Mulher não era esquerdista nem petralha _ por sinal, achava os petistas por demais assistencialistas, corporativistas, sindicalistas, sem visão do todo. Às vezes concordava, por outro lado, que o pragmatismo político do marido havia sido por demais condescendente com aliados retrógrados.
A verdadeira Malu Mulher era a favor da descriminalização da maconha e reiterou tal julgamento em rede nacional de televisão _ o marido o máximo que conseguira dizer fora que fumara maconha, mas não tragara.
A verdadeira Malu Mulher destacou-se na produção intelectual na área de gênero, da pluralidade cultural e da diversidade sexual. Batalhou no movimento da inserção das mulheres no espaço público e pela preocupação com o não-assistencialismo.
A verdadeira Malu Mulher queria investigar os problemas que afetavam a juventude e as mulheres de classe média.
A verdadeira Malu Mulher buscava informar-se sobre as questões prementes a respeito da sexualidade, da violência, da infância, das drogas, da mídia.
A verdadeira Malu Mulher corrigiu um orientando que usara subúrbio para referir-se à região distante do centro da cidade. Sugeriu que empregasse periferia, para demarcar que se tratava de um aglomerado de populações que estavam em transição para a cidade, da qual seriam personagens relevantes e influentes.
A verdadeira Malu Mulher engajou-se nas lutas feministas, na ampliação dos espaços da mulher no poder, mas não gostava de Simone de Beauvoir desde jantar em São Paulo nos anos 60 não qual a intelectual francesa dizia ao marido _ o filósofo Jean-Paul Sartre _ o que deveria comer ou não, impedindo-o de que provasse a sopa de mandioquinha que ela própria, a verdadeira Malu Mulher, fizera.
A verdadeira Malu Mulher dizia que as mulheres podiam tudo, exceto serem passivas.
A verdadeira Malu Mulher era amiga da atriz Regina Duarte e palpitou com seu conhecimento antropológico sobre as diretrizes do programa televisivo mais importante de sua carreira. Foi ela quem indicou que a Malu Mulher da ficção _ à frente de seu tempo _ deveria ter como profissão a sociologia.
Como lembrou o diretor Daniel Filho, a verdadeira Malu Mulher não votaria em Jair Bolsonaro nem jamais aceitaria ser ministro do governo dele. Até porque Bolsonaro jamais diria estar enamorado da antropóloga Ruth Cardoso (1930-2008), a verdadeira Malu Mulher.
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