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Plínio Fraga

O cálculo político por trás do fervor evangélico de Bolsonaro

Colunista do UOL

16/01/2020 10h36

O presidente Jair Bolsonaro é o que, no exercício do cargo, mais buscou se aproveitar politicamente de grupamentos religiosos.

Não bastasse ter lançado mão da imagem de Deus até no slogan de campanha, apresentou-se como interlocutor direto de lideranças e parlamentares evangélicos, adotando no governo bandeiras que esses líderes defendem em favor de suas igrejas. Discute, por exemplo, uma série de políticas de benefícios diretos a evangélicos, como anistia de multas e concessão de facilidades na obtenção de financiamento e no gerenciamento de projetos com a participação do setor público. Chegou a deixar-se filmar de joelho recebendo bênçãos do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

No campo do comportamento pessoal, Bolsonaro joga com a ambiguidade para agradar todos os santos e todos os pastores. Na campanha eleitoral, afirmou ser católico, casado com uma mulher evangélica. No começo de 2018, entretanto, aceitara ser banhado e batizado no rio Jordão por uma liderança evangélica.

Nesta semana, ao reunir-se com parlamentares da bancada evangélica, disse ter "aceitado a palavra de Jesus", o que alguns deputados entenderam como a conversão de fato ao pentecostalismo. Bolsonaro faz com as religiões o que faz com camisas de clubes de futebol. Veste aquela que interessa à conveniência do momento. Já apareceu vestido como camisas do Palmeiras, do Vasco, do Flamengo, do Fluminense?.

Assim como no futebol, cuja predileção pelo Palmeiras buscou reforçar, Bolsonaro tem sinalizado publicamente seu pendor para os evangélicos, prometendo inclusive escolher um fiel evangélico na primeira vaga que dispor para nomear no Supremo Tribunal Federal, o que deve ocorrer neste ano.

O fervor religioso de Bolsonaro reflete um cálculo político. Pesquisa Datafolha divulgada nesta segunda mostrou que 31% dos brasileiros se declaram evangélicos _ a maioria ainda é católica, religião de 50% dos entrevistados. Somando-se os 10% que dizem não ter religião, os três estratos somam 91% da população.

Por ser um retrato a quente, a pesquisa Datafolha traz números diferentes dos tomados como oficiais. O IBGE calcula os evangélicos em 20% dos brasileiros; e os católicos em 60%. Como o último Censo faz quase dez anos, é provável que o Datafolha tenha captado a linha evolutiva dos últimos anos com mais fidedignidade.

A pesquisa mostra que as mulheres, os pardos e negros, aqueles que completaram apenas o ensino fundamental ou o ensino médio e aqueles que ganham até dois salários mínimos formam os segmentos evangélicos mais destacados. São com esses que Bolsonaro pretende falar diretamente ao mostrar-se o presidente mais evangélico _ e assim ampliar suas chances de reeleição.

Um estudo sobre comportamento de eleitores que se disseram religiosos mostrou que Bolsonaro bateu Haddad entre os católicos por margem de apenas 164 mil votos. Já entre os evangélicos obteve 11,5 milhões de votos a mais do que o adversário petista. Bolsonaro, que venceu o pleito presidencial com 10,7 milhões de votos a mais do Haddad, só perdeu nos segmentos dos seguidores de religiões afro-brasileiras e daqueles que se disseram sem religião, ateus ou agnósticos.

A tradição católica brasileira faz com que sejam vistos sem escândalos símbolos como a cruz em salões oficiais onde deveria haver o rigor do Estado laico. Tal tradição está sendo posta à prova agora que exerce o poder um presidente com um projeto comum com os evangélicos.