Raquel Landim

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Opinião

Isenção fiscal para medalhistas é oportunismo no país da meia entrada

Ainda estamos extasiados com o desempenho de Rebeca Andrade, Bia Barbosa, Rayssa Leal, Gabriel Medina, entre outros atletas, e o oportunismo político já se manifesta no "país da meia-entrada".

Tal qual Paulo Maluf, que decidiu receber os jogadores da Copa do Mundo de 1970 com fuscas comprados com recursos do município de São Paulo, os congressistas preparam um agrado para os medalhistas olímpicos com dinheiro público.

Para não ficar tão evidente o disparate, querem fazer via projeto de lei, votado em regime de urgência, para beneficiar os atletas recém chegados de Paris.

O PL 3029/2024, de autoria do deputado Luiz Lima (PL/RJ), propõe alterar a lei do imposto de renda de 1988, a fim de isentar de pagamento os valores recebidos por atletas brasileiros medalhistas em Jogos Olímpicos, a título de premiação pela conquista das medalhas pagos pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro).

Para deixar bem claro: a medalha não é taxada. Ninguém quer cobrar uma taxa pelo ouro recebido por Rebecca. O que é taxado são os R$ 350 mil recebidos como prêmio por cada medalha de ouro e os valores pela prata, bronze, etc. A taxação varia de 7,5% a 27,5% — como para todo brasileiro trabalhador.

O regime de urgência tem apoio de parlamentares dos mais diversos partidos, para demonstrar que não tem diferença de ideologia. Assinam o pedido Felipe Carreras (PSB/PE), Odair Cunha (PT/MG), Altineu Cortes (PL/RJ), Antonio Brito (PSD/BA), entre outros.

E as justificativas no projeto de lei são uma coleção de platitudes: "os Jogos Olímpicos são o maior evento esportivo mundial", "isenção de imposto de renda constitui um reconhecimento do esforço extraordinário desses atletas e um incentivo à prática de esporte no Brasil", "o esporte ensina disciplina, resiliência e trabalho em equipe".

Nenhuma palavra sobre o bloqueio de 8% do já diminuto orçamento do Ministério dos Esportes realizado na última contenção de despesas do governo federal. Ou sobre como vem sendo aplicado os recursos do "bolsa atleta". Ou sobre os investimentos na infraestrutura de esportes das escolas. Enfim, sobre a política pública voltada para o esporte.

Infelizmente, projetos de lei como esse não são exceção, mas a regra.

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Estudo realizado pelos pesquisadores Eduardo Lazzari, Marta Arretche e Rodrigo Mahlmeister, mostra que o Congresso brasileiro é extremamente ativo em matéria tributária. Entre 1989 e 2020, foram 4.841 proposições legislativas — 154 por ano — o que deve ser algum tipo de recorde.

Desse total, 67,2% criavam uma despesa dedutível no imposto de renda, uma isenção no mesmo imposto, uma isenção no IPI ou ainda um regime especial, beneficiando grupos específicos em dois ou mais tributos. Em outras palavras, de cada 100 projetos na política tributária, 67 buscavam criar uma norma que reduz a tributação para algum grupo por meio de um benefício.

Como a reforma tributária dos impostos sobre consumo mostrou, onde até plano de saúde para a pet foi incluído como exceção, este é o "país da meia-entrada" e do "meu pirão primeiro".

Maluf foi processado, condenado e depois inocentado pela compra dos fuscas - num imbróglio jurídico que se arrasta por décadas. Alguns jogadores tricampeões terminaram vendendo o fusquinha.

Agora a benesse é mais sofisticada porque vem com o nome de benefício tributário, inserido na Constituição, e ninguém vai culpar os atletas por aceitarem o que o Congresso aprovar.

Mas quem paga a conta, desde 1970, somos nós.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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