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Rogério Gentile

REPORTAGEM

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Justiça condena Record por noticiar morte de homem que não morreu

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

19/01/2023 10h38

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O motorista Valdir da Silva, 53, tomou um susto quando passou a receber diversas ligações de familiares e amigos no início de 2021: a TV Record havia acabado de noticiar a morte dele.

De acordo com o programa Balanço Geral, Valdir havia morrido após um acidente no litoral paulista, tendo ficado com 90% do corpo queimado ao ser atingido por fogos de artifício durante as comemorações do Réveillon.

A reportagem dizia que o Instituto Médico Legal havia confirmado o falecimento de Valdir e que o corpo tinha sido velado no cemitério da Saudade. O programa trazia, inclusive, a sua fotografia.

"A emissora não mediu esforços para inventar uma reportagem falsa", disse o motorista à Justiça.

Valdir afirmou no processo que, de fato, durante a passagem do ano, alguns rojões estouraram perto dele, mas que não havia sofrido ferimentos graves, tanto que nem precisou de atendimento médico. Ele disse que gravou a cena e a publicou em suas redes sociais, destacando que o episódio não havia ocorrido no litoral, mas em São Paulo.

O motorista disse à Justiça que a emissora utilizou essas imagens sem sua autorização e acabou por noticiar a sua morte.

"A vida do autor [do processo] virou um inferno. A notícia trouxe angústia e aflição para ele e sua família, causando constrangimento, pois teve que justificar para cada pessoa o que havia ocorrido", afirmaram à Justiça os advogados Fabio Date e Lucimara Bernardini, que representam o motorista.

A Record se defendeu no processo dizendo que a reportagem, "produzida por uma afiliada", não trouxe "qualquer ato que abalasse a imagem do autor [do processo]".

"Ainda que se pudesse afirmar que tenha suportado algum incômodo, é evidente que esse mero dissabor não bastaria para caracterizar a ocorrência de dano moral. A emissora não causou dor, vexame, sofrimento ou humilhação que fugisse à normalidade e interferisse intensamente em seu comportamento psicológico", declarou à Justiça.

De acordo com a defesa da Record, o autor do processo se valeu de "exageros retóricos" com o intuito de "ludibriar" a Justiça para "auferir indenização por danos inexistentes".

"Não há qualquer espécie de ilicitude praticada, pois a conduta da Record não foi, de maneira alguma, ilícita ou ofensiva, sendo que, em verdade, apenas cumpriu para com sua função informativa."

A juíza Ana Lucia Fusaro não aceitou a argumentação e condenou a Record a pagar uma indenização de R$ 20 mil ao motorista, valor que será acrescido de juros e correção monetária.

"A emissora apresentou ao seu público matéria dissociada da realidade fática e sem qualquer verificação sobre a veracidade, fazendo suposições e, assim, faltando com o compromisso ético e moral", declarou na sentença. "Tal situação, evidentemente, extrapolou os limites do mero aborrecimento, impingindo ao autor [do processo] situação constrangedora e aflitiva."

A Record ainda pode recorrer.