Kamala e o (agora) jogo real das eleições americanas
"Não vaiem. Votem." A frase do ex-presidente Barack Obama, para mim, é o emblemático e símbolo da leitura correta e mais próxima da realidade do tamanho do desafio que os democratas têm pela frente para levar Kamala Harris à Casa Branca. Sim. O jogo agora é pra valer.
Este articulista ainda insiste na ideia de que é possível olhar menos para Donald Trump e mais para o embate e a tensão social no interior da própria sociedade americana. É preciso estar atento ao ímpeto daqueles que estão comprometidos em "pegar o país de volta para si".
O Partido Democrata aproveitou o máximo possível, de várias maneiras, a virada de protagonismo que tiveram com a escolha do nome de Harris, e o privilégio de estarem no centro das atenções, arrecadarem mais dinheiro, reanimar eleitores outrora desmotivados.
A "onda Harris", o ânimo renovado, a alegria, as adesões recordes de quem estava frustrado e desinteressado em votar, tudo isso foi vibrante. Mas os democratas sabem, e vários caciques do partido tentaram deixar isso claro, que o que vem pela frente é muito mais desafiador.
Quem assistiu às falas de Michelle e Barack Obama, quem ouviu Nancy Pelosi, Bill Clinton, quem ouviu a própria Kamala Harris, durante a convenção, entendeu que a situação não é simples.
Em primeiro lugar, a derrota de Hillary Clinton no Colégio Eleitoral a despeito da vitória no voto popular, em 2016, ainda é uma ferida aberta para os democratas.
Não foi apenas uma "euforia das pesquisas", a "energia" das ruas davam claras demonstrações de que o movimento de mudança da sociedade americana seguiria rumo à consolidação de superar o identitarismo masculino e branco que ocupara a Casa Branca até a chegada de Barack Obama. Mas a reação conservadora e o ressentimento branco reagiram.
Em segundo lugar, ainda que, historicamente, eleições presidenciais nos Estados Unidos são vencidas com diferenças pequenas de votos, uma vez que o peso da diferença geralmente vem de três a cinco estados entre os 50 da federação, perceba o equilíbrio de forças persistente entre Harris e Trump.
Muito diferente do esperado, Trump não aumentou consideravelmente sua intenção de voto após o atentado que sofreu e o marketing produzido a partir disso, retratando-o como um herói, uma vítima de democratas e progressistas do país.
Por outro lado, a euforia e a reenergização política causadas pelo "furacão Kamala Harris" a levaram a superar, em muito, o desempenho do presidente Joe Biden, mas não lhe fizeram avançar de forma segura à frente de Trump. A celebração democrata é justificável, estratégica e necessária, mas, na prática, tudo está muito no limite.
Por último, ele, o Colégio Eleitoral, segue sendo o maior desafio das pesquisas e dos democratas. Quando o assunto é Colégio Eleitoral, institutos de pesquisas e analistas são cautelosos em apontar uma liderança até o momento. No entanto, os poucos "palpites" dos especialistas, reconhecem que Trump pode ainda ter uma leve, mesmo que pequeníssima, vantagem.
Tudo isso para dizer, ou reiterar, que agora o jogo realmente começou. Sem as convenções, tudo que resta agora são candidatos gastando sola de sapatos, de saltos, horas de voos e, talvez, dois debates, para disputarem corações e mentes dos americanos.
E eu insisto. Isso é menos sobre Donald Trump e seu carisma, seu jeito bonachão e mentiroso. Isso é sobre parte da sociedade americana que usa (o termo é esse mesmo) Trump como a esfinge de seu projeto identitário, ressentido, ultraconservador e fundamentalista para tornar os Estados Unidos num país que possa ser chamado de (apenas) seu.
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