Intervenção de presidente na chefia da PF é inédita desde redemocratização
A intervenção de um presidente da República na direção-geral da Polícia Federal à revelia do ministro da Justiça, como a executada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta sexta-feira (24), é inédita desde a redemocratização, em 1985, segundo a memória de policiais ouvidos pela coluna.
Ao pressionar e, por fim, derrubar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o presidente passou por cima da tradição política que impera na Esplanada há pelo menos 35 anos.
Embora, por lei, o presidente da República tenha o poder de assinar o ato da nomeação, o diretor-geral sempre foi indicado ou pelo menos teve o aval do ministro da Justiça, normalmente após consulta a diversos atores dentro e fora da Polícia Federal.
Mesmo diretores-gerais da PF que tinham um perfil mais político, como Romeu Tuma (1986-1992), que depois se tornou senador pelo antigo PFL, e Fernando Segóvia (2017-2018), tiveram o aval dos ministros da Justiça da época.
O caso de Segóvia já trouxe preocupação, pois seu nome foi uma indicação mais do Palácio do Planalto do que do então ministro da Justiça, Torquato Jardim, que preferia outro nome - de qualquer forma, Jardim assinou o ato de nomeação junto com o então presidente, Michel Temer. Mas a queda rápida de Segóvia e o retorno à direção de delegados de perfil considerado mais técnico e mais bem aceitos dentro da corporação, como Rogério Galloro (2018-2019) e Maurício Valeixo (2019-2020), indicavam que a PF havia resistido às pressões políticas.
A impressão cai por terra nesta sexta-feira, com a exoneração de Valeixo.
A essa altura, tanto faz se formalmente Valeixo pediu demissão ou foi demitido — Moro explicou que não. O fato é que Valeixo teve a sua "cabeça" pedida duas vezes por Bolsonaro, em agosto do ano passado e nesta quinta-feira, pessoalmente a Moro. Politicamente, a posição de Valeixo se tornou insustentável, pois Bolsonaro o transformou em um "pato manco", alguém com cargo mas sem poderes reais.
A intervenção de Bolsonaro nos poderes do ministro da Justiça não tem apenas consequências políticas. Ela atropela todo o planejamento interno da Polícia Federal, pois provocará uma dança de cadeira nas diretorias do órgão. Também interrompe projetos administrativos que estavam em andamento ou em planejamento e que agora serão postergados ou mesmo cancelados.
Só na área da perícia criminal federal há receio sobre o destino de projetos de federalização e autonomia das polícias científicas, projetos científicos estruturantes no combate a crimes ambientais na Amazônia, redes de inteligência pericial, bancos nacionais de padrões criminalísticos, entre outros.
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