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Rubens Valente

A pergunta que não foi feita a Heleno se tornou um nó da investigação

Reunião ministerial 22 de abril - Marcos Corrêa/PR
Reunião ministerial 22 de abril Imagem: Marcos Corrêa/PR

Colunista do UOL

18/05/2020 04h00

Os investigadores que apuram, no inquérito do STF (Supremo Tribunal Federal), as denúncias do ex-ministro Sérgio Moro a respeito de suposta interferência política no comando da Polícia Federal têm nas mãos uma oportunidade para destrinchar uma das principais dúvidas da investigação: quando o presidente Jair Bolsonaro se referiu, na reunião ministerial do dia 22 de abril, à "nossa segurança" no Rio de Janeiro ele tratava da Polícia Federal ou do GSI (Gabinete de Segurança Institucional)?

Esse ponto ganhou importância porque há uma divergência entre o que diz Moro e o que afirmam Bolsonaro e o Palácio do Planalto. Se Moro tem razão, Bolsonaro ameaçou trocar a Superintendência da PF no Rio para proteger sua "família e amigos" - substituição que de fato acabou concretizada após a troca do diretor-geral da PF, em Brasília. Se Bolsonaro estava falando sobre o GSI, diminui a certeza dos investigadores sobre as intenções do presidente a respeito da Superintendência do Rio.

Um caminho para a solução do conflito de versões está na própria declaração de Bolsonaro. De acordo com a transcrição apresentada pela AGU ao STF na quinta-feira (14), o presidente disse o seguinte: "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertente à estrutura".

O advérbio usado pelo presidente -"oficialmente"- e a informação de que "não conseguiu" a troca são o buraco na tese da defesa de Bolsonaro. Se o pedido para a troca no GSI foi oficial, a resposta negativa também terá sido. Assim, Bolsonaro tem como comprovar não só um, o que já seria importante, mas os dois fatos: o pedido e a negativa. Por que não o fez até agora?

O Planalto pode apresentar ao STF a suposta comprovação do pedido "oficial" de Bolsonaro a qualquer momento no decorrer do inquérito, mas já teve uma chance importante para esclarecer o assunto, no depoimento prestado pelo ministro-chefe do GSI, Augusto Heleno, na última terça-feira (12).

Sobre a reunião ministerial do dia 22 de abril, Heleno disse aos investigadores que Bolsonaro "cobrou de forma generalizada todos os ministros na área de inteligência, tendo também reclamado da escassez de informações de inteligência que lhe eram repassadas para subsidiar suas decisões, fazendo citações específicas sobre sua segurança pessoal, sobre a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], sobre a PF e sobre o Ministério da Defesa".

Depois dessa explicação geral, Heleno ouviu as dúvidas dos investigadores, uma das quais foi a seguinte: "Se houve tratativas de demissão em outros órgãos além da policial [Polícia] federal em razão da queixa de falta de maior velocidade e qualidade das informações de inteligência". Heleno respondeu que Bolsonaro, "no vídeo da reunião do dia 22 de abril de 2020, menciona o exemplo da sua segurança pessoal, que se estivesse falha, tentaria trocá-la".

Ao descrever dessa forma o trecho da reunião, Augusto Heleno pulou o trecho em que Bolsonaro falou que já havia tentado "oficialmente" trocar alguém na sua segurança e não teve sucesso. Os investigadores também não tocaram nesse ponto. Na sequência, eles insistiram "na pergunta sobre tratativas de demissão em outros órgãos além da PF". Heleno "disse que não se recorda". O contexto da pergunta remete à dúvida anterior, a questão da "falta de maior velocidade e qualidade das informações de inteligência", e novamente não trata se Bolsonaro solicitou ou não uma substituição.

Quando Heleno prestou o depoimento, os investigadores já haviam assistido ao vídeo do Planalto exibido reservadamente às partes naquela mesma manhã no INC (Instituto Nacional de Criminalística) da PF, em Brasília. Em tese, haviam ouvido o argumento sobre o pedido "oficial" de troca na segurança de Bolsonaro, mas esse aspecto não foi indagado diretamente a Heleno. A pergunta que não foi feita é simples: o GSI ou o ministro receberam algum pedido oficial de Bolsonaro para troca da sua segurança no Rio de Janeiro?

A coluna dirigiu essa pergunta ao GSI nesta sexta-feira (15) e, até o fechamento deste texto, não recebeu nenhuma resposta.

No final de semana, em nota o GSI e Heleno contestaram uma reportagem do "Jornal Nacional" sobre a troca de militares no setor da Segurança Presidencial do GSI e na chefia do escritório do órgão do Rio dias antes da reunião ministerial. A reportagem relatou como trocas do gênero são simples de serem feitas, ao contrário do que sugeriu Bolsonaro na reunião ministerial.

Na nota da resposta, lida pelo "Jornal Nacional", o GSI argumenta que Bolsonaro citou na reunião ministerial apenas como exemplo uma troca que desejasse realizar na segurança pessoal dele. Diz ainda a nota, segundo o "JN", que "não se referiu a nenhum caso real que houvesse ocorrido com sua segurança pessoal".

O tópico, portanto, continua no patamar anterior: Bolsonaro tem como comprovar ou pretende comprovar que pediu "oficialmente" a troca de alguém no GSI?

Se o Planalto não apresentar uma confirmação, a fala de Bolsonaro na reunião ministerial será encarada como mais uma afirmação presidencial sem provas, o que pesa a favor da versão de Moro.

Os investigadores têm a previsão legal de pedir um novo depoimento do general Augusto Heleno para que ele, enfim, esclareça a dúvida. O GSI e o Planalto também poderiam ser instados a apresentar as provas documentais do suposto pedido "oficial" de Bolsonaro.