PGR põe em dúvida sistema de votação interna e preocupa procuradores
A PGR (Procuradoria Geral da República) suspendeu por 30 dias pela primeira vez, desde 1993, as eleições de um importante órgão colegiado interno, o Conselho Superior do MPF (Ministério Público Federal), e chamou a CGU e o Exército para uma auditoria externa no sistema eletrônico de votação usado pelos procuradores.
O sistema, agora denominado Votum e com permissão para voto em dispositivos móveis, é o mesmo usado para a formação das listas tríplices do MPF encaminhadas pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) à Presidência da República a cada dois anos para a nomeação do procurador-geral da República.
A exemplo do que o presidente Jair Bolsonaro faz com as urnas eletrônicas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o procurador-geral Augusto Aras coloca em dúvida a lisura do sistema eletrônico do MPF usado no processo das listas tríplices. No ano passado, Bolsonaro escolheu Aras fora da lista tríplice, o que não ocorria desde 2003. O atual procurador-geral não se candidatou à consulta da ANPR e costurou uma indicação política por fora do processo de votação.
Em uma mensagem enviada nesta semana aos membros do MPF na rede interna do órgão, Aras criticou o sistema de votação eletrônica, ao dizer que "não apresenta nenhuma segurança ou garantia de funcionamento adequado". Ele se baseia em análises solicitadas à CGU e à SPPEA, uma unidade da própria PGR, que detectaram vulnerabilidades no sistema. Em nota oficial, a PGR informou que a análise técnica concluiu que "a ausência de auditoria permitiria, por exemplo, excluir candidaturas, transferir votos de um candidato a outro ou até mesmo excluir votos".
Contudo, uma outra mensagem distribuída pelo procurador Marcos Antônio da Silva Costa, da área técnica da PGR responsável pelo sistema, destacou que a mesma análise de unidade interna, a SPPEA, concluiu que não foi possível "quebrar o sigilo do voto, ou seja, identificar em qual candidato determinado eleitor votou" e também "realizar a alteração em um voto". Na mensagem, Costa confirma que "a auditoria externa", ou seja, os trabalhos da CGU e do Exército, "decorreu de relevante diretriz do PGR Augusto Aras, com o objetivo de aferir a segurança, o sigilo e a confiabilidade do nosso sistema eleitoral eletrônico".
Em sua comunicação aos procuradores, Aras também confirmou que partiu dele o pedido de "análise", em novembro de 2019, ao procurador Costa. "Registro que solicitei a referida análise a Marcos da Costa em 21 de novembro de 2019, quando da sua assunção ao cargo de Coordenador da STIC e, mesmo com todos os seus esforços, na mesma segunda-feira, os servidores ainda não haviam disponibilizado os dados referentes ao código fonte para análise de órgão público federal externo."
Candidaturas
O adiamento ocorreu a apenas dois dias da renovação parcial do CSMPF (Conselho Superior do MPF). Seriam escolhidos dois nomes para mandatos de dois anos. Coincidentemente, dois dos principais candidatos são os mesmos que encabeçaram as últimas duas listas tríplices da ANPR, os subprocuradores Nicolao Dino e Mario Bonsaglia, que recentemente assinaram, entre diversos outros subprocuradores, uma nota com críticas sobre uma decisão tomada por Aras na pandemia.
Com o adiamento das eleições, os outros três candidatos (Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini, Carlos Frederico Santos e Julieta Albuquerque), mais afinados com a gestão de Aras ou mais simpáticos a ela, ganharão sobrevida para tentar as vagas.
O CSMPF, formado por dez procuradores e presidido por Aras, tem poderes normativos e disciplinares e edita resoluções. Também é o órgão responsável por acolher, relatar e decidir sobre eventuais denúncias contra o procurador-geral.
Em mensagens distribuídas aos colegas procuradores na rede interna, Dino e Bonsaglia lamentaram e se disseram surpresos com o adiamento das eleições. Mencionaram que a PGR teve tempo, desde novembro de 2019, para aperfeiçoar o sistema, mas somente um dia antes do pleito, inicialmente marcado para a terça-feira (19), decidiu pelo adiamento.
O presidente da ANPR, Fábio George Cruz da Nóbrega, lembrou à coluna que a votação das listas tríplices de 2017 e 2019 já foram acompanhadas por uma auditoria independente e externa, que "garantiu a lisura de todos os procedimentos". Ele repudia tentativas de macular a imagem do sistema da lista tríplice.
"Quem fizer qualquer ilação nesse sentido está agindo de forma completamente inadequada, venha de quem vier. Estamos completamente tranquilos sobre a qualidade das votações e repudiamos qualquer ilação", disse Nóbrega.
Em nota, a ANPR afirmou que "todas as etapas do processo" das listas tríplices de 2017 e 2019 "foram amplamente auditadas, por consultoria externa e com extensa divulgação no site da ANPR. Nestas eleições, o código-fonte foi disponibilizado para análise e testes foram feitos exaustivamente pela própria ANPR, pelos candidatos e pela empresa de auditoria contratada. A zeragem dos votos ocorreu em ato público, com a presença de todos os candidatos, e neste momento um relatório foi retirado com impressão e registro de cada linha do programa".
PGR
A coluna indagou à PGR quem chamou o Exército para realizar a auditoria. Em nota, o órgão informou que "em videoconferência, registrada em ata, realizada entre a Sppea e a CGU para deliberar sobre os procedimentos da auditoria no sistema de votação Votum, foram enumerados seis tópicos para análise. A CGU informou que não tinha capacidade técnica para analisar dois desses tópicos. A própria CGU citou na videoconferência que, em ocasiões anteriores, já havia trabalhado em parceria com o Centro de Defesa Cibernética do Exército, que detinha as ferramentas necessárias para a análise automatizada do 'código-fonte' (linguagem APEX) do sistema. Assim, coube ao órgão efetivar essa parte da auditoria".
Sobre a solicitação da auditoria em novembro de 2019, a PGR afirmou que "na data mencionada havia suspeitas fundadas sobre o funcionamento do sistema eletrônico de votação. A subprocuradora-geral Helenita Accioli, quando conselheira do CSMPF, já solicitara, sem êxito, a realização da auditoria no mesmo sistema de votação".
A PGR afirmou que "o que motivou o adiamento da eleição foi a auditoria feita no sistema de forma mais ampla, que apontou que ele não era auditável e, portanto, era suscetível a fraudes".
O órgão afirmou, em nota divulgada na terça-feira (19), que a Comissão Eleitoral da PGR resolveu "adiar por 30 dias as votações para a escolha de novos conselheiros. A eleição de dois nomes pelo Colégio de Procuradores da República estava prevista para esta terça-feira (19) e foi remarcada para 23 de junho. A escolha de outros dois nomes pelo Colégio de Subprocuradores-Gerais da República ficou para 30 de junho. A decisão de adiamento foi tomada após a Comissão Eleitoral ter conhecimento do resultado de auditoria realizada no sistema Votum, plataforma eletrônica interna empregada nas votações para o CSMPF e para a lista tríplice organizada a cada dois anos pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)".
Em outra mensagem distribuída aos procuradores nesta sexta-feira (22), o procurador Marcos Costa, da área de tecnologia da PGR, informou que o relatório de auditoria da CGU registrou que "a aplicação possui razoável segurança contra ataques oriundos de agentes externos" e encontrou "fragilidades em relação aos ataques potenciais de (b) 'Agentes Internos, pessoas que possuem acesso ao código fonte, ambiente de desenvolvimento, banco de dados, ou servidores que hospedam a aplicação'".
De acordo com Costa, "essas fragilidades estão relacionadas às sistemáticas de desenvolvimento e operação integral do sistema (as velhas histórias da 'mulher de César' e de quem 'vigia o vigia'), as quais independem da versão do sistema".
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