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Rubens Valente

Nem os garimpeiros defendem mais Salles no Ministério do Meio Ambiente

30.ago.2019 - Agente da PF olha para máquinas destruídas durante operação conduzida em conjunto com o Ibama em uma mina de ouro ilegal perto de Altamira, no Pará - Nacho Doce/Reuters
30.ago.2019 - Agente da PF olha para máquinas destruídas durante operação conduzida em conjunto com o Ibama em uma mina de ouro ilegal perto de Altamira, no Pará Imagem: Nacho Doce/Reuters

Colunista do UOL

15/07/2020 14h00

Resumo da notícia

  • Líderes de garimpeiros na Amazônia criticam ministro do Meio Ambiente por inexperiência e falta de atenção para o setor
  • Para os garimpeiros, o presidente Jair Bolsonaro também decepcionou parte da categoria porque prometeu mudanças que não aconteceram
  • Líderes estimam em cerca de 1 milhão de garimpeiros atuando hoje na Amazônia Legal

Criticado por empresários e investidores internacionais e isolado dos principais pesquisadores e organizações não governamentais ambientalistas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, perdeu o apoio que poderia ter até entre os garimpeiros da Amazônia, que mais têm reclamado da fiscalização do Ibama nos últimos anos.

"Na verdade o Sales passou da hora de sair. O que ele faz lá? [...] Ele não faz mais nada a não ser privatizar, privatizar. Até agora ele só atrapalhou nossa categoria, não ajudou em nada. O que ele tinha mais era que pedir licença e sair do cargo logo, pronto. Igual o [Sergio] Moro fez", disse Vilélu Inácio de Oliveira, conhecido como Vilela, que atua na organização de garimpeiros no Pará.

Para Vilela, o presidente Jair Bolsonaro decepcionou a categoria ao manter a destruição de equipamentos, baseada num decreto de 2008, e ativar as operações militares comandadas pelo general e vice-presidente Hamilton Mourão à frente do CNAL (Conselho Nacional da Amazônia Legal).

Os garimpeiros apoiaram fortemente Bolsonaro nas eleições de 2018 — o próprio presidente já praticou garimpo nos anos 80 na Bahia — acreditando na ideia radical de que ele acabaria com a destruição dos equipamentos, que expulsaria ONGs da Amazônia, que não receberia mais verbas internacionais para preservação da Amazônia, que abriria terras indígenas para o garimpo e que ampliaria as áreas de garimpo no país.

Bolsonaro de fato esvaziou a ação do Ibama, mas a destruição de máquinas continuou, embora reduzida - a recente operação desencadeada pelas Forças Armadas agora tem evitado queimar os equipamentos. A expulsão de ONGs seria ilegal e inconstitucional; a operação com o Fundo Amazônia, formado por capital de países estrangeiros, parou mas deverá ser retomada, segundo anunciou Mourão; e a exploração mineral em terras indígenas não se torna lei a partir de um ato presidencial, depende de aval do Congresso, que analisa um projeto de Bolsonaro. A proposta é criticada em várias frentes e dificilmente avançará no Congresso.

Uma pessoa igual Bolsonaro, que fala uma coisa de manhã e à tarde fala outra, que falou que ia defender os extrativistas [garimpeiros], ia ajeitar lei, arrumar uma maneira de a pessoa trabalhar dentro da lei. [...] Com esse Conselho, eles vieram com tudo, com Polícia Federal, com Exército, ICMBio e Ibama para cima de quem? Dos garimpeiros. Não prenderam mais ninguém, só garimpeiro. Sendo que tem outros meios de salvar a Amazônia, por exemplo, pagar as pessoas para preservar. Não é como estão fazendo, tocando fogo em tudo. O governo não dá conta de peitar o agronegócio, porque eles sim desmatam. O governo tinha de estar de olho é no pessoal que está desmatando e está queimando. Porque quem trabalha no extrativismo não quer acabar com a mata, ele precisa da mata para poder trabalhar.
Vilélu Inácio de Oliveira, garimpeiro

Como a ampla maioria das lideranças garimpeiras, Vilela critica as ONGs que atuam na Amazônia e a fiscalização do Ibama, mas também vê contradição no governo Bolsonaro quando apoia a retomada do Fundo Amazônia.

"Falam tanto da esquerda mas estão aí querendo o Fundo Amazônia, que foi a esquerda que ativou, para receber esse dinheiro. E agora estão de olho nele porque é muito dinheiro. Em 2021, se não fizerem o dever de casa, não recebem esse Fundo. E [o governo] vai prejudicar um monte de brasileiro que depende do extrativismo, acabar com a atividade do pessoal, para satisfazer o interesse do pessoal internacional lá fora."

Salles é "menino inexperiente", diz líder garimpeiro

José Altino Machado, um dos mais antigos e polêmicos líderes garimpeiros da Amazônia, tem participado de reuniões, em Brasilia, com membros do governo Bolsonaro. O ex-presidente da União Sindical de Garimpeiros da Amazônia Legal disse que a saída de Salles do ministério "seria ótima para o país" porque a "política está errada, está mal direcionada". Mas, para os garimpeiros, "a permanência ou a saída do Salles não significa nada".

"Senta um menino lá no ministério, inexperiente, como Ricardo Salles, cujo espantalho é ser diplomado. Teria que ser um homem experiente, que os homens da Amazônia baixassem a cabeça para falar. A presença dele não constrói. E para nós não atrapalha também, essa que é a verdade. A atividade [garimpeira] não para." Salles, que tem 45 anos de idade, reconheceu, em fevereiro de 2019, logo após ter tomado posse no cargo, que nunca havia estado na Amazônia.

Luis Antônio Martins, que junto com Vilela e outros criaram uma nova associação nacional de garimpeiros, a AESA (Associação dos Extrativistas Sustentáveis da Amazônia), concorda que a permanência de Salles no Ministério do Meio Ambiente "não cheira nem fede".

A grande verdade é que ele não está mandando em nada. Quem está mandando é o Bolsonaro, o Hamilton Mourão. Ministro não está tendo muita expressão. Ele tem vontade de ter alguns avanços mas a Amazônia está perdida, está internacionalizada há muito tempo. O governo vive de buscar recursos lá fora.
Luis Antônio Martins, garimpeiro

Ministério não comenta críticas; Salles fala em "trabalhar em conjunto"

A coluna procurou a assessoria do Ministério do Meio Ambiente na noite desta terça-feira (14). A assessoria informou que o órgão não se manifestaria. Em entrevista ao jornal "O Estado de S.Paulo" nesta segunda-feira (13), Salles foi indagado sobre os comentários de que seu cargo estava em risco no governo.

Essa escolha é do presidente da República. Ele é que tem fazer isso. Temos de receber as críticas com naturalidade e corrigir se tiver algo a fazer. O governo tem um nível técnico elevado. A gente tem de olhar para a frente e trabalhar em conjunto. O governo tem muita coerência e homogeneidade.
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

O ministro disse ainda que "é necessária ter uma postura firme das atividades ilegais de toda a natureza: garimpo ilegal, de madeira, de grilagem de terra. Isso compõe o primeiro pilar da estratégia do governo".

Garimpeiro estima 1 milhão de pessoas na atividade na Amazônia

Outro ácido crítico das ONGs na Amazônia, José Altino diz que os garimpeiros não são os vilões do desmatamento, mas sim as estradas abertas pelo poder público. "Veja o sul do Pará. Hoje tem um município lá que é o maior criador de bovino do país, tem mais de 1,5 milhão de cabeças de gado. Isso porque asfaltaram as rodovias. Os garimpeiros não têm nada a ver com isso."

Segundo Altino, a primeira medida de um novo ministro do Meio Ambiente seria fazer "um amplo censo, um levantamento" sobre a atividade garimpeira na Amazônia. Ele diz que há mais de 1 milhão de garimpeiros na região, que extrairiam "uns R$ 26 bilhões por ano".

Para Altino, o governo deveria dizer que "onde estiver o garimpo associado com o desmatamento, não aceitaria" permissão de lavra. Mas "onde o garimpo estiver sadio, sem danos ambientais grandes ou qualquer coisa assim, não teria problema".