Secom faz 'promoção pessoal' de Bolsonaro em redes, diz área técnica do TCU
Resumo da notícia
- Secretaria do TCU acolheu representação do MP que citou 34 publicações da Secom em 2020
- De acordo com procurador de Contas junto ao TCU, postagens no Twitter afrontam Constituição
- Governo diz que faz "publicidade institucional" e que definições sobre promoção pessoal não são claras
Em uma postagem de 1º de setembro na conta oficial da Secom (Secretaria Especial de Comunicação) do governo federal no Twitter, uma foto de Jair Bolsonaro (sem partido) está abaixo do anúncio, em letras garrafais, "Auxílio emergencial prorrogado". Em outra, ele está com a mão sobre o peito ao lado de uma declaração a respeito de "Deus, pátria e família". Numa terceira, o presidente aparece dizendo que "eu sou igual a vocês, ou estou à frente e junto ou não estou fazendo um bom papel".
A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) identificou "promoção pessoal" de Bolsonaro nestas e em diversas postagens feitas pela Secom em sua conta oficial na rede social ao longo de três meses de 2020. De acordo com os técnicos, a prática é proibida pelo artigo 37 da Constituição. Responsável pela comunicação oficial da Presidência, a Secom desde junho está vinculada ao Ministério das Comunicações.
O relatório é datado de 30 de dezembro, e foi subscrito pelo diretor da Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado, da Secretaria-Geral de Controle Externo do TCU, Jetro Coutinho Missias, e aprovado pela secretária do setor, Ana Paula Silva e Silva (veja o documento). O caso está sob análise do ministro do TCU Vital do Rêgo, ex-senador do MDB, que acionou a área técnica e pediu explicações do governo.
Em manifestação protocolada no TCU, a AGU (Advocacia Geral da União) afirmou que as publicações da Secom constituem "publicidade institucional", cuja veiculação não é vedada pela Constituição (veja mais abaixo).
"Verifica-se que as postagens da Secom são caracterizadas pela utilização de nomes, símbolos e imagens de autoridades e servidores públicos, e pela publicação de objeto [discursos e falas] cuja divulgação não é autorizada pela Constituição. Em ambos os casos, há violação constitucional", aponta o relatório de seis páginas, ao qual o UOL teve acesso.
Os técnicos acolheram uma representação formulada no dia 23 de dezembro pelo procurador do Ministério Público no TCU Júlio Marcelo de Oliveira. Ele ganhou notoriedade em 2016, durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), por ter emitido um parecer contrário às chamadas "pedaladas fiscais", uma das peças mais citadas no processo que levou ao afastamento da então presidente. Oliveira também prestou depoimento no Congresso Nacional na condição de informante.
Publicações buscam "reforçar imagem pessoal" do presidente, diz procurador
Na representação, Oliveira anexou 34 publicações na conta da Secom na rede social Twitter capturadas apenas em dois meses de 2020, agosto e setembro. Em um anexo, juntou mais cinco, de dezembro. Além de Bolsonaro, quatro publicações exaltam o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Numa das postagens compartilhadas pela Secom, o ministro aparece segurando um cheque fictício de R$ 5 bilhões que teriam sido pagos à União por uma concessionária do setor ferroviário. Em outra publicação, com sua foto, o ministro diz que "hoje é um dia muito especial, um dia que marca o retorno do Exército brasileiro às obras ferroviárias".
Para o procurador, todas as 34 postagens afrontam "o regramento constitucional" e "configuram publicidade com objetivo de promoção pessoal do presidente da República e de ministro de Estado [Freitas]".
Oliveira cita o artigo 37, parágrafo primeiro da Constituição, que diz: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos".
O procurador faz, na peça, uma distinção entre a necessidade de o governo se comunicar com a população e as publicações da Secom.
"Quando a Constituição estabelece a possibilidade de publicidade com caráter informativo, não está autorizando a veiculação de qualquer informação, mas apenas daquelas que atendem o interesse do cidadão, como, por exemplo, a existência de uma campanha de vacinação a ser realizada nas datas tais, os requisitos e prazos a serem observados para o cidadão poder participar de um programa social do governo, o cronograma de realização do Enem, os prazos para o alistamento militar etc", escreveu Oliveira.
Punições cabíveis
As possíveis consequências são as seguintes: se o plenário do TCU acolher a representação, o tribunal pode decidir que houve mau uso do dinheiro público, com aplicação de multa, que pode chegar a R$ 40 mil, aos responsáveis pela publicação e a declaração de inabilitação dessas pessoas para exercício de função pública. A Secom pode ser condenada a se abster de fazer novas publicações do gênero.
Além disso, o MPF (Ministério Público Federal) poderá ajuizar uma ação de improbidade administrativa a partir da decisão do TCU ou mesmo antes, caso tome conhecimento do assunto.
As autoridades que se beneficiaram da suposta promoção pessoal poderão ser penalizadas desde que uma investigação mais aprofundada demonstre que elas participaram ou autorizaram as publicações — até o momento a apuração do TCU não contém provas nesse sentido.
TCU "precisa contrapor-se à práticas dessa natureza", diz membro do MP
Um terceiro tipo de publicação na Secom, segundo o procurador, é o que busca "reforçar a imagem do governo, como a que dá notícia do gasto de bilhões para combate dos efeitos da pandemia em curso e da manutenção do emprego".
"Ao promover a imagem do governo, subliminarmente, haverá a promoção da imagem do governante ou integrante do governo. Cabe ao tribunal contrapor-se a práticas dessa natureza, visto que consubstanciam afronta a norma e princípios constitucionais. Como visto, a publicidade oficial deveria ter caráter educativo, informativo ou de orientação social."
Oliveira argumentou ainda que não se pode falar em publicidade gratuita na internet porque há "gastos com a produção do material e com os servidores ou terceirizados contratados para gerir os perfis e páginas nas redes sociais".
Na representação, o procurador solicita que Vital do Rêgo conceda uma decisão liminar a fim de ordenar que a Secom se abstenha de fazer no Twitter "e demais mídias" publicações "que não tenham conteúdo estritamente educativo, informativo ou de orientação social ou que se prestem, de qualquer modo, à promoção pessoal do presidente da República ou de integrantes do Governo Federal".
Secretaria técnica do TCU acolheu representação do MP
A representação foi analisada e acolhida pela Secretaria de Controle Externo do TCU. No documento, que analisou a necessidade de concessão de medida cautelar solicitada pelo MP de Contas, os técnicos concordaram que "o princípio da impessoalidade estabelece que a Administração Pública deve praticar os seus atos visando ao interesse público e atendendo a sua finalidade legal, impedindo que o ato seja praticado em atendimento de interesses individuais".
Os técnicos separaram as publicações da Secom em dois grupos: as que utilizaram nomes de Bolsonaro e do ministro Freitas e as que contêm "símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal de autoridade". No segundo grupo, citou como exemplo o anúncio de Bolsonaro sobre a prorrogação do auxílio emergencial em mais quatro parcelas, com valor de R$ 300 cada uma.
"Há a utilização da imagem do atual presidente da República na postagem, transparecendo que a prorrogação do auxílio emergencial foi decisão do próprio presidente. Esta imagem possui verdadeiro caráter desinformativo. Não só porque a prorrogação do auxílio emergencial ainda não foi efetivada e, assim, a referida postagem tratou de mero anúncio de algo que poderia ou não ocorrer, desvinculada do interesse público, portanto, mas também porque a decisão de prorrogação do auxílio emergencial não cabe unicamente ao presidente da República", diz a área técnica.
Discursos "não são serviços públicos", dizem técnicos do TCU
Os técnicos também disseram ter identificado "diversas outras postagens contidas na documentação inicial [do MP de Contas] que, contendo a imagem ou o nome, de autoridades ou servidores públicos, se restringem a divulgar as falas e discursos destes mesmos agentes em eventos públicos".
Segundo os técnicos, "discursos e falas não apresentam os requisitos dos atos administrativos, não podendo ser caracterizados como tal" e também "não são aprovados por lei e pelo Congresso Nacional, nos termos dos artigos 48 e 165 da Constituição, e, assim, não se caracterizam como programas governamentais".
"A reprodução de tais falas e discursos, assim como também a utilização de imagens da autoridade em cumprimento de agenda ou em eventos de inauguração de obras, além de não possuírem caráter informativo, educativo ou de orientação social, constituem mero proselitismo governamental e promove indevidamente a autoridade participante do evento."
Os técnicos observaram que a prática adotada pela Secom em suas contas em rede social "tem perdurado ao longo do tempo".
Governo diz que promove "publicidade institucional"
Segundo a AGU, "ao contrário do quanto afirmado na representação, é plenamente possível a veiculação de publicidade institucional sem que esta represente, necessariamente, promoção pessoal de agente público".
Na petição, subscrita pelo diretor do Departamento de Assuntos Extrajudiciais da AGU, Raul Pereira Lisbôa, o governo argumenta que "a delimitação do alcance das expressões 'caráter educativo, informativo ou de orientação social' e 'promoção pessoal' envolve o delicado balanceamento de princípios de igual dimensão e que, dessa forma, não é possível haver uma solução objetiva, correta e única à controvérsia, abrindo-se espaço à atividade interpretativa, no caso concreto".
"As publicações realizadas pela Secom em seus canais digitais, ao contrário do que se afirma [na representação], estão em perfeita sintonia com a Constituição, eis que almejam tão somente dar amplo conhecimento à sociedade de informações consideradas de interesse público, sejam elas a conclusão ou o início de determinada obra pública, a entrega de equipamento, o oferecimento de novo serviço ou a cobertura da agenda oficial do chefe do Executivo, dado de indisputável de interesse público, tanto que é diariamente repercutido por toda a mídia nacional."
No sistema de escolha de ministros para o TCU, o presidente da República pode indicar três dos nove integrantes, sendo um de sua livre escolha. Os outros dois devem vir dos quadros do Ministério Público de Contas e dos auditores do tribunal. O presidente Bolsonaro fez sua indicação pessoal no ano passado, ao término do mandato do ministro José Múcio, que se aposentou. O nome escolhido foi Jorge Oliveira.
Os ocupantes das demais cadeiras da corte são definidos pela Câmara dos Deputados (três vagas) e Senado Federal (três vagas).