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Incra informa ao STF tombo histórico da reforma agrária, mas nega paralisia
Resumo da notícia
- Órgão encaminhou nota técnica ao STF em ação ajuizada por entidades de trabalhadores rurais e partidos de oposição ao governo Bolsonaro
- Documento confirma em 2019 e 2020 índices mais baixos nos últimos 25 anos de incorporação e decretos de desapropriação de terras no país
Uma nota técnica encaminhada no último dia 10 pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) ao STF (Supremo Tribunal Federal) mostra o tombo histórico que o programa de reforma agrária sofreu nos dois primeiros anos de governo de Jair Bolsonaro, embora o órgão negue a paralisação do setor.
De acordo com os gráficos produzidos pelo Incra - alguns dos quais aqui reproduzidos pela coluna -, o governo Bolsonaro, com zero, é o que menos emitiu decretos desapropriatórios, um ato que cabe ao presidente da República, nos últimos 25 anos; é o que menos incorporou terras ao programa da reforma agrária nos últimos 25 anos, com apenas 2,8 mil hectares; é o de mais baixo orçamento discricionário (isto é, despesas não obrigatórias) desde 2010.
Enquanto o governo Bolsonaro incorporou apenas 2,8 mil hectares ao programa, o governo Temer (2016-2018) incorporou 664 mil, o governo Dilma (2011-2016), 3,1 milhões, o governo Lula (2003-2010), 47,6 milhões, e o governo FHC (1995-2002), 20,8 milhões.
Em 2020, o governo Bolsonaro executou R$ 491 milhões em despesas discricionárias no Incra, contra R$ 1,39 bilhão em valores não corrigidos em 2010, no último ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Como consequência dos atos administrativos de desapropriação e outras formas de acesso à terra, o número de famílias assentadas desabou nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Foram 9.228 famílias, contra 11.831 no governo Temer, 133.689 no governo Dilma, 614.008 no governo Lula e 540.704 no governo FHC, segundo os balanços oficiais.
Governo é alvo de ação judicial no STF movida por entidades de agricultores
A nota técnica é assinada pelo presidente do órgão, Geraldo José da Câmara Ferreira de Melo Filho, que é filho do ex-governador do Rio Grande do Norte Geraldo Melo (PSDB). O Incra é vinculado ao Ministério da Agricultura, comandado pela deputada federal licenciada Tereza Cristina (DEM-MS), escolhida para o cargo por ser uma das líderes da bancada ruralista no Congresso Nacional.
As informações foram enviadas ao STF dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental número 769, cujo relator é o ministro Marco Aurélio. Ela foi ajuizada em outubro passado pela Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares), Contraf (Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil), PT, PSOL, PCdoB, PSB e Rede.
A ação pede que o STF reconheça e sane "as graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas por órgãos federais do Estado brasileiro, decorrentes da paralisação da reforma agrária e da não destinação das terras públicas federais a essa finalidade". De acordo com as entidades, a paralisia compromete "direitos fundamentais de milhares de agricultores familiares e com severo risco à sociedade brasileira".
Os dados do Incra mostram que o programa de reforma agrária, estabelecido na Constituição de 1988, perdeu força nos governos Dilma (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018), mas desabou nos dois primeiros anos de Bolsonaro (2019-2020). Segundo levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, ocorreram 1.833 conflitos no campo com 144,7 mil famílias, "o índice mais alto dos últimos cinco anos".
Entre outras medidas, as entidades pedem na ADPF que o Incra adote providências para imissão na posse de 187 processos de desapropriação de terras que estão pendentes, "uma vez que o pagamento já foi realizado", a elaboração de um "plano nacional de reforma agrária de forma urgente" e que o governo seja impedido de desistir de processos judiciais "em que já tenha havido o pagamento da indenização".
Incra diz que está "demonstrada a ausência da paralisação" da reforma agrária
O ministro do STF Marco Aurélio pediu as explicações do Incra. Embora reconheça e descreva em detalhes, na nota técnica, a situação do programa de reforma agrária, o Incra afirma que está "demonstrada a ausência de paralisação da Política de Reforma Agrária, devendo, portanto, ser julgada improcedente a ADPF".
Para cada gráfico que mostra a derrocada do programa de reforma agrária, o Incra apresentou uma justificativa na nota técnica. Citou "o cenário de restrições orçamentárias decorrente da crise econômica e da pandemia Covid-19", que só chegou ao Brasil em março de 2020, um ano e três meses depois da posse de Bolsonaro.
O órgão argumenta que "o termo 'reforma agrária' não pode ser resumido à aquisição e destinação de terras por meio da criação de projetos de assentamento, sendo possível, dentro de tal espectro, estarem inseridas formas complementares de destinação das terras agricultáveis do País - a exemplo da 'regularização fundiária', como forma de se legitimar ocupações irregulares incidentes em áreas públicas (federais, no caso) - tudo com o objetivo de atender aos princípios da justiça social e o aumento da produtividade".
Por duas vezes o Incra comparou o tamanho do espaço destinado ao programa da reforma agrária no país, ao todo cerca de 87,5 milhões de hectares, com a área somada da Espanha e da Alemanha.
Sobre o número recorde de áreas incorporadas durante o governo Lula (47,6 milhões de hectares), o Incra afirma que "grande parte" veio da "absorção de perímetros de reservas extrativistas, projetos ambientalmente diferenciados e assentamentos estaduais, cujas áreas são reconhecidas pelo Incra para poder disponibilizar às famílias os benefícios e políticas públicas previstos no PNRA [programa nacional de reforma agrária]. Ou seja, a incorporação desses imóveis ao Programa Nacional de Reforma Agrária não decorreu da desapropriação de imóveis rurais pelo Incra".
A respeito da redução das famílias assentadas, a nota técnica do Incra argumenta que "a partir dos Governos Dilma e Temer, passou-se a adotar uma política mais preocupada com qualidade dos assentamentos da reforma agrária e condições de vidas das famílias beneficiárias. Essa preocupação com uma reforma agrária mais compromissada com a qualidade dos assentamentos rurais e a sustentabilidade das famílias assentadas tem sido a prioridade mais recente dos governos, conforme se observa em várias notícias".
"Dessa forma, a execução da reforma agrária e dos comandos da Lei nº 8.629, de 1993, não pode ser vista de forma fragmentada; na realidade, é um processo que engloba um conjunto de etapas, ações e instrumentos interdependentes. A Lei Agrária não pode ser lida em tiras, sob pena de serem criadas verdadeiras favelas rurais, em vez de assentamentos desenvolvidos e consolidados."
A respeito dos decretos de desapropriação, o Incra argumenta que de 2013 a 2020 "foram editados 127 Decretos Presidenciais de desapropriação e 32 Portarias de aquisição de imóveis rurais", o que indicaria uma necessidade de R$ 1 bilhão. Porém, diz o Incra, boa parte dos decretos emitidos em 2013, por exemplo, "caducou" dois anos depois "por falta de recursos para pagamento das indenizações iniciais, cujos valores deveriam ser depositados quando da propositura da ação expropriatória".
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