Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Opinião: Deputado tentou jogar Forças Armadas contra o STF
O ponto mais grave do vídeo disseminado nas redes sociais pelo deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) na terça-feira (16) está no seu próprio objetivo declarado. É ainda pior do que as ofensas pessoais aos ministros do STF porque aposta no caos institucional: ele usa uma figura relevante entre os militares, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, para tentar jogar as Forças Armadas contra o STF (Supremo Tribunal Federal).
Os defensores do deputado falam em liberdade de expressão, que ele fez "críticas" ao ministro Edson Fachin e a outros ministros do tribunal. Ele foi muito além - e aí está a chave para entender sua prisão. Com outras palavras, aparentemente bem estudadas, foi o que escreveu o ministro Alexandre de Moraes na ordem de prisão que expediu nesta terça-feira (16). Ele disse que o deputado adotou "condutas criminosas" que "atentam diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático".
O ministro falou ainda que o deputado manteve uma "atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito".
O que Alexandre de Moraes disse, sem dizer, é que Daniel Silveira semeia a discórdia dentro das Forças Armadas para escalar uma ação contra o Judiciário. Nesse momento o STF decide se mexer mais seriamente porque a mera opinião de um parlamentar, resguardada pela Constituição, se confunde com a tentativa de atentado à ordem democrática.
Na sessão plenária desta quarta-feira (17) no STF, Moraes reforçou que as mensagens do parlamentar procuraram criar "animosidade" entre militares e o Judiciário.
É importante verificar a cronologia dos eventos para entender a motivação de Daniel Silveira. Na segunda-feira (15), o ministro Edson Fachin soltou uma nota à imprensa em repúdio à revelação feita por Villas Bôas para um livro de história oral da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Segundo o general, os tuítes de 2018, pelos quais ele pressionou o STF um pouco antes da votação de um habeas corpus impetrado pelo ex-presidente Lula, foram discutidos previamente pelo Alto Comando e "comandantes militares de área".
Na terça-feira (16), a imprensa divulgou a nota de Fachin. Logo pela manhã, em resposta a um internauta, o general Villas Bôas zombou da reação de Fachin, ao escrever "três anos depois". O comentário do general foi postado às 7h42 da manhã de terça. Às 18h01, o deputado Silveira publicou seu vídeo no Facebook.
Várias vezes a intenção do parlamentar de causar um conflito entre as Forças Armadas e o STF transborda no seu vídeo. Em 19 minutos, ele cita nove vezes o nome de Villas Bôas. O próprio texto que o deputado escreveu no Facebook para descrever o vídeo não deixa dúvida: "Fachin chora a respeito da fala do General Villas Boas".
O principal objetivo do vídeo de Silveira era provocar os ministros do STF a determinarem a prisão de Villas Bôas. Além de uma boa imagem que carrega em parte das Forças Armadas, o general é portador de ELA, uma doença degenerativa do sistema nervoso que cria dificuldades para fala, respiração e locomoção. O parlamentar usa a figura de Villas Bôas, cujo estado de saúde adquire contornos dramáticos, como um biombo para seus interesses.
"Hoje você [Fachin] se sente ofendidinho. Vai lá, prende o Villas Bôas, pô. Seja homem uma vez na tua vida e vai lá e prende o Villas Bôas. Fala para o Alexandre de Moraes, o homenzão né, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas Bôas. Manda. Vai lá e prende o general do Exército, quero ver. Eu quero ver, Fachin, você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo [...]."
Em outro trecho, Silveira associa uma prisão de Villas Bôas, se decretada pelo STF, a uma resposta militar semelhante a um Ato Institucional da ditadura militar (1964-1985). Isto é, o deputado estimula um golpe de Estado em caso de prisão do militar.
"O que quero saber é quando que vocês vão lá prender o general Villas Bôas. Eu queria saber o que que você [Fachin] vai fazer com os generais? Os homenzinhos de botão dourado, lembra? Você lembra do AI-5 [Ato Institucional nº 5]. Você lembra. Para. Eu sei que você lembra. Ato Institucional número 5, de um total de 17 atos institucionais. Você lembra. Você era militante lá do PT, partido comunista. Você era da aliança comunista do Brasil."
Quase no final do vídeo, o parlamentar volta a provocar o ministro do STF: "Fachin, um conselho para você: vai lá e prende o Villas Bôas, rapidão, só pra gente ver um negocinho. Se tu não tem coragem, porque tu não tem, tu não tem culhão roxo pra isso."
As provocações do parlamentar, como sabemos, não funcionaram como ele queria porque o tribunal mandou prendê-lo, e não o general. As consequências dessas mensagens no seio da tropa, contudo, são insondáveis.
Uma instituição totalmente voltada para si mesma, avessa à transparência e ao debate, não permite entender de que forma são estabelecidos mecanismos para reforçar a disciplina e a hierarquia, os pilares de uma organização militar no mundo todo. Para a sociedade civil preocupada com os rumos da democracia brasileira, no contexto do governo civil-militar de Jair Bolsonaro, as dúvidas são enormes.
Há um filmete repetido nos intervalos da programação da GloboNews que mostra frases de figuras públicas entrevistadas nos últimos anos pela emissora. O ministro do STF Luís Roberto Barroso aparece dizendo que o país tem "uma democracia bastante consolidada". O vídeo hoje tem um efeito irônico: assistimos à notícia da prisão, decretada pelo STF, de um deputado federal que ameaçou a democracia e logo em seguida um ministro do STF dizendo que está tudo bem.
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