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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Deputado militar bolsonarista associa protesto de indígenas a 'terrorismo'

O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC) fala em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em Brasília, no dia 07.07.2021 - Reprodução/TV Câmara
O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC) fala em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em Brasília, no dia 07.07.2021 Imagem: Reprodução/TV Câmara

Colunista do UOL

08/07/2021 12h45

Resumo da notícia

  • Em audiência com o diretor da Abin, Coronel Armando (PSL-SC) diz que "o limite tem que ser colocado" na definição de terrorismo e também cita Adélio
  • Projeto de lei que muda a legislação em vigor sobre terrorismo foi apresentado em 2016 por Bolsonaro e ganhou celeridade na gestão de Arthur Lira
  • Ramagem, diretor da Abin, concordou que "ataque ao Estado" pode ser qualificado como terrorismo, mas mencionou o PCC e não movimentos sociais

O deputado federal bolsonarista e militar da reserva do Exército Luiz Armando Schroeder Reis (PSL-SC), conhecido como "Coronel Armando", associou, durante uma audiência na Câmara nesta quarta-feira (7), um protesto feito por indígenas no último dia 22 contra o projeto de lei 490, que tramita na Casa, a suposto "terrorismo". Fez a mesma associação ao falar da facada cometida em 2018 por Adélio Bispo de Oliveira contra o então candidato à Presidência Jair Bolsonaro.

O parlamentar alegou que os indígenas foram "incentivados por parlamentares" e mencionou que três policiais legislativos - na verdade foram dois legislativos e um policial militar - foram feridos pelos indígenas, mas omitiu que cerca de 20 manifestantes também ficaram feridos no conflito ocorrido na entrada do Anexo II depois que os PMs bloquearam a entrada da Casa. Os indígenas relataram ações truculentas da PM, como impedir que socorressem vítimas que estavam desmaiadas no asfalto e agredir um estudante indígena que apenas fazia imagens do protesto.

Ao falar dos indígenas, o parlamentar fazia referência a um projeto de lei apresentado pelo então deputado federal Jair Bolsonaro em 2016 e reapresentado na atual legislatura pelo líder do governo na Casa, Major Vítor Hugo (PSL-GO). Após uma manobra feita pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o projeto de nº 1595/2019 passou a andar com celeridade na Casa. Hoje é analisado por uma comissão especial, que "pula" outras comissões. O projeto pretende mudar diversos trechos das leis sobre o assunto em vigor no país. Entre outras alterações, inclui "razões políticas" nos atos tipificados como terrorismo.

Organizações de direitos humanos denunciam que o projeto faz confusão proposital entre crimes comuns e crimes que podem ser considerados atos terroristas, podendo ser usado, se aprovado, para perseguição de movimentos sociais. Em nota técnica conjunta de 2019, a Conectas, o IBCCRIM, a Rede Justiça Criminal e o Artigo 19 pontuaram que, no projeto de Vitor Hugo, "não há qualquer elemento que diferencie o 'ato terrorista' de crimes comuns, pois os únicos requisitos para a sua configuração são resultados genéricos como 'perigo para a vida humana' e 'afetar a definição de políticas públicas', que sequer precisam se concretizar, uma vez que basta que o agente 'aparente ter a intenção' de causá-los".

Deputado define terrorismo como "algo que assusta a população"

O deputado Coronel Armando fez a declaração contra os indígenas durante uma audiência da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional que ouviu, nesta quarta-feira (7), o diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem. O diretor foi convidado a falar sobre inteligência pelo presidente da comissão, o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG).

Após mencionar o colega do PSL Vítor Hugo, que também acompanhou a audiência, o Coronel Armando disse que iria falar "do terrorismo, nós temos que definir o que é terrorismo e o seu limite". Afirmou que "já fez palestra sobre este tema". Segundo ele, terrorismo "é algo que assusta a população, causa um certo terror. E o limite que nós vamos discutir tem que ser dentro da lei, e eu vou dar um exemplo."

O deputado começou mencionando o caso do atentado a faca. Ele primeiro propôs discutir se foi ou não um ato terrorista para depois concluir que no Brasil foi tratado como "um simples evento criminal, e eu não o vejo dessa forma".

"Houve uma proteção ao Adélio em todos os sentidos. E só acho que este caso - eu me lembro do atentado a Ronald Reagan em Nova York, os Estados Unidos tratam de outra forma -, em outros países, se fosse num país de ideologia comunista ou de esquerda, isso teria um tratamento muito maior. E aqui, no Brasil, trata-se como um simples evento criminal, e eu não o vejo dessa forma", disse Armando.

Ao contrário do que alegou o deputado, o ato cometido por Adélio foi fartamente investigado pela PF por meio de dois inquéritos simultâneos, ambos com acompanhamento do MPF e do Judiciário. Adélio está preso desde setembro de 2018. Todos os sigilos de Adélio foram quebrados por ordem judicial e analisados pelos investigadores. O único sigilo não quebrado foi o dos telefones dos advogados de Adélio, já que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) obteve uma decisão judicial em defesa das prerrogativas e do sigilo profissional dos advogados.

Ao final das investigações, a PF não encontrou qualquer financiamento ou estímulo de organizações ou partidos políticos ao ato praticado por Adélio e concluiu que ele agiu sozinho.

Em seguida, no seu discurso Armando citou o protesto dos indígenas na frente da Câmara. "Nós tivemos aqui, há duas semanas, manifestações dos índios, que atingiram três servidores da Polícia Legislativa do Congresso, incentivados por parlamentares a fazer a manifestação. E nós estamos aí tratando isso como algo normal. Então, a participação no terrorismo tem que ser muito bem definida. Nós queremos a liberdade democrática — eu sou advogado também, entendo —, mas o limite tem que ser colocado. O terrorismo, a palavra terrorismo, leva a pessoa a pensar em atentado à bomba, ao World Trade Center, mas, no terrorismo, basta assustar. Eu já trabalhei em batalhão de guarda fazendo segurança em vários eventos, e nós sabemos qual é a nossa posição de desconforto ao atuar contra a população incentivada a praticar crimes e depredação", disse o parlamentar.

Armando também apoiou uma postagem feita por Ramagem na rede social Twitter no último dia 4. Ao comentar confrontos entre manifestantes e policiais militares em São Paulo após um grande protesto feito contra o governo Bolsonaro, Ramagem escreveu: "Tumulto e quebradeira promovidos por criminosos disfarçados de 'manifestantes'. Policiais estão nas ruas para aplicação das leis e defesa da sociedade, mas são agredidos apenas em razão de seu trabalho e de sua farda. São estas as manifestações pelo Estado Democrático de Direito?"

O deputado Armando disse que concordava com a manifestação de Ramagem. "Realmente, aquilo foi um crime - depredação de patrimônio público -, incentivado por alguém e manipulado pela imprensa brasileira, que nem citou isso nos jornais na segunda-feira, só citou que houve manifestação contra o Governo. Em momento algum, a nossa imprensa citou que houve depredação. Isso eu falo em relação aos principais canais".

Ao contrário do afirmado pelo parlamentar, a depredação foi amplamente noticiada pela imprensa tanto no dia do protesto quanto nos dias seguintes.

Ramagem cita PCC como hipótese de "ataque ao Estado"

Em resposta à fala de Armando, o diretor da Abin foi evasivo, mas não corroborou diretamente o que o parlamentar disse sobre terrorismo. Após dizer que "o Brasil pode possuir" diversas "células de financiamento, de mão dupla, injetando financiamento no exterior - é o terrorismo -; ou aplicando investimentos no Brasil, de financiamento ao terrorismo; ou células que podem produzir atentados no exterior". Na sequência, mencionou possível "ataque ao Estado", mas não citou movimentos sociais, e sim o grupo criminoso PCC.

Jair Bolsonaro ao lado de Alexandre Ramagem - Foto: Carolina Antunes/PR - Foto: Carolina Antunes/PR
Jair Bolsonaro ao lado de Alexandre Ramagem, diretor da Abin
Imagem: Foto: Carolina Antunes/PR

"Mas a evolução das propostas de combate ao terrorismo são muito bem-vindas e necessárias; primeiro, pelo reforço de estrutura que nós precisamos, reforço de governança, reforço de orçamento; e pelas determinadas questões internas de terrorismo que se apresentam, de ataque ao Estado. Pode-se pensar que um PCC não aplica o terror. Há uma estrutura organizada, paralela ao Estado, completa, que aplica o terror. Então, esse é o primeiro caminho a se verificar: quem é tratado como um crime ordinário ou não."

Em sua fala sobre o projeto de lei 1.595/2019, o presidente da comissão, Aécio Neves, evitou tomar uma posição: "Para muitos, trata-se de uma medida que pretende criminalizar os movimentos sociais; para outros, na verdade, é um reforço à lei antiterrorista, em vigor desde 2016".

O deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) fez uma pergunta direta a Ramagem sobre o projeto, mas não houve resposta. "A pergunta que faço é o seguinte. Esse projeto de lei [1.595/2019], na sua opinião, é compatível com normas internacionais de proteção dos direitos humanos? Pois os relatores da ONU têm preocupação com o projeto."

Líder indígena diz que quem faz terrorismo são os apoiadores de projeto de lei

Kretã Kaingang, da coordenação da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), repudiou as afirmações do deputado federal e falou do motivo dos protestos de junho, a tramitação do projeto de lei 490, que modifica a legislação de proteção e demarcação de terras indígenas e foi aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

"Primeiro que terrorismo quem faz são eles com esse projeto de lei. Eles que são terroristas. Nós só estamos fazendo nossa parte que é a questão dos nossos direitos. Querem usurpar as terras indígenas mais uma vez, e eles são os que colaboram. Só fazemos nossa luta e defendemos nossos direitos, conforme somos atacados. Aqui na região sul, de onde saiu esse deputado, nossos antepassados indígenas foram caçados, assassinados. Muita gente morreu, muita criança foi morta, estuprada, isso sim que é terrorismo. Se nos atacarem, nós vamos nos defender."

Kretã, que é filho do líder indígena Ângelo Kretã, morto durante a ditadura militar quando tinha um papel protagonista no movimento indígena no sul do país, negou que as manifestações de junho contra o PL 490 tenham sido "incentivadas por parlamentares", ao contrário do que disse o deputado.

"Em momento nenhum fomos incentivados por parlamentar algum. Quem foi atrás para tentar engavetar o PL fomos nós. Os deputados só fizeram a parte deles, que foi nos dar informações e mostrar que o PL é inconstitucional. E vamos continuar lutando contra esse PL no Senado e no Supremo. Se for preciso vamos lutar internacionalmente."