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Rubens Valente

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Abin 'se aproxima muito' do Ministério Público e do Judiciário

Sala de monitoramento do Centro de Inteligência Nacional da Abin (Agencia Brasileira de Inteligência), na sede do órgão em Brasília, em julho de 2016 - Rubens Valente/UOL
Sala de monitoramento do Centro de Inteligência Nacional da Abin (Agencia Brasileira de Inteligência), na sede do órgão em Brasília, em julho de 2016 Imagem: Rubens Valente/UOL

Colunista do UOL

20/07/2021 04h01

Nos últimos dois anos, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), os laços entre a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), um órgão do Executivo vinculado à Presidência da República, e setores estratégicos do Ministério Público e do Judiciário, como o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), estão se estreitando.

O movimento foi reconhecido pelo diretor da Abin, Alexandre Ramagem, durante uma audiência pública na comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados no último dia 7. "O Ministério Público tem se aproximado muito de nós, em instância de Ministério Público Estadual principalmente, e ainda o CNMP. O Judiciário tem se aproximado muito por resoluções do CNJ, que desencadeiam a necessidade de núcleos de Inteligência nos tribunais [...]", disse Ramagem.

Em maio último, com as assinaturas de Ramagem e do conselheiro Marcelo Weitzel Rabello de Souza, presidente da comissão de Preservação da Autonomia do MP, o CNMP fechou um "acordo de cooperação técnica" com a Abin.

O ajuste não fica restrito ao CNMP, pois "os ramos e atividades do Ministério Público poderão aderir ao presente Acordo". Isto é, as unidades do MP em todos os Estados e também o Ministério Público Federal podem participar, bastando a assinatura de um "termo de adesão".

Um trecho do acordo indica que a influência da Abin na formação de membros do MP já é uma realidade no país. "A Agência Brasileira de Inteligência mantém acordos de cooperação com ramos dos Ministérios Públicos estaduais e com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por meio dos quais são realizados eventos de capacitação em Inteligência e intercâmbio e dados entre esses e a Abin", diz o documento.

Nas justificativas, o acordo afirma que "viabilizará para a Abin o acesso a dados relevantes para a proteção do interesse público e geral preponderante, na extensão em que esta corresponde à defesa pacífica da soberania nacional e ao resguardo da segurança da sociedade e do Estado".

São citados como exemplos dois objetivos concretos: a "produção de conhecimentos", prevista na Estratégia Nacional de Inteligência de 2016, e "a pesquisa de antecedentes de indicados a altos cargos na administração pública federal".

A Abin salientou, no acordo, sua "missão institucional de disseminar a Doutrina de Inteligência".

Acordo fala de "alinhamento" entre Abin e MP

O conselheiro do CNMP, Marcelo Weitzel (de máscara branca), assina acordo com o diretor da Abin, Alexandre Ramagem - Divulgação/CNMP - Divulgação/CNMP
O conselheiro do CNMP, Marcelo Weitzel (de máscara branca), assina acordo com o diretor da Abin, Alexandre Ramagem
Imagem: Divulgação/CNMP

O termo diz ainda que servirá à "cooperação recíproca em áreas de interesse e competência das partes, no que diz respeito à atividade de inteligência". Afirma que a parceria será usada em "proteção de conhecimentos sensíveis; intercâmbio de dados e conhecimentos de inteligência, observada a legislação vigente; capacitação e aperfeiçoamento de recursos humanos do CNMP, do Ministério Público e da Abin".

No campo das obrigações do CNMP, o órgão se compromete a "franquear à Abin" os "dados compilados em bases administradas ou de propriedade do CNMP, cujo acesso puder ser autorizado, de forma contínua e por meio a ser definido entre as partes". O CNMP também se compromete a indicar nomes de "integrantes de seus quadros, possuidores de notório saber de conhecimento de interesse da Abin para eventos de capacitação a ser ministrados pela Esint".

A Esint (Escola de Inteligência) é a responsável pela formação, capacitação e aperfeiçoamento tanto dos servidores da Abin quanto dos órgãos formadores do Sisbin (Sistema Brasileira de Inteligência).

Durante o governo Bolsonaro, o Sisbin também ampliou sua área de influência. De 2019 a 2020, nove órgãos passaram a integrar o sistema, que agora atinge 48 de áreas diversas e improváveis como o Ministério das Comunicações, o Ministério da Educação, o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) e o Incra. Quando foi instalado, em 2002, eram apenas 22 órgãos. O número saiu de 35, no último ano do governo Dilma Rousseff (2011-2016), para 48 agora.

Um trecho do termo de cooperação entre Abin e CNMP reforça a noção de que uma área cinzenta, cada vez maior em diversos órgãos públicos em Brasília, vem sendo criada entre a atividade de inteligência da Abin, voltada para "ações especializadas de obtenção e análise de dados, produção de conhecimentos e proteção de conhecimentos para o país", e a de segurança institucional, dedicada principalmente à salvaguarda do patrimônio e de integrantes do órgão.

O acordo diz que cabe à Abin assessorar o CNMP "no sentido de concretizar os fins da Política Nacional de Segurança Institucional do MP brasileiros [sic] e do CNMP", previstos numa resolução de 2016.

Entre os objetos do acordo, há dois "produtos finais". Um menciona "soluções para segurança das comunicações desenvolvidas pela Abin" e outro cita "alinhamento entre a Abin e o Ministério Público, no desempenho da atividade de inteligência e na proteção de conhecimentos sensíveis relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade".

Além do termo de cooperação, o nome da Abin é citado nos corredores do MP por outra razão. Desde agosto do ano passado trabalha no CNMP um ex-diretor da Abin, Wilson Roberto Trezza, na condição de "colaborador eventual" da mesma comissão presidida pelo conselheiro Weitzel.

A presença de um oficial de inteligência, ainda que aposentado, no prédio do CNMP gerou incômodo em um grupo de conselheiros, que levou o assunto ao presidente do Conselho, o procurador-geral da República Augusto Aras. Ele ouviu as reclamações, mas manteve a portaria que designou Trezza ao CNMP. Em nota à imprensa na época, disse que não partiu dele a nomeação.

São muitas as interrogações que surgem com o estreitamente de relações entre Abin, Ministério Público e Judiciário. A primeira gira em torno do tipo de informação que um órgão do Executivo passa a dispor sobre membros de outros Poderes. Por exemplo, se um integrante do MP move uma ação para apurar irregularidades no Executivo federal, que tipo de informação no CNMP poderá ser usado contra ele pelo Executivo?

Haveria também uma discussão sobre a mentalidade que pode estar sendo formada entre juízes e membros do MP acerca dos limites e objetivos de uma inteligência de Estado imersa no ambiente de confronto ideológico estimulado pelo bolsonarismo.

Abin diz que lei autoriza acordos "para desempenho de suas atribuições"

Em nota à coluna, a Abin afirmou que o órgão é autorizado pela lei que o criou, de 1999, a "firmar convênios, acordos, contratos e quaisquer outros ajustes", desde que "observada a legislação e normas pertinentes, e objetivando o desempenho de suas atribuições".

A Abin disse que o acordo assinado com o CNMP foi publicado no Diário Oficial da União, "conforme o estabelecido no art. 9º da Lei nº 9.883/99".

Os "núcleos de inteligência dos tribunais", citados por Ramagem em seu discurso na Câmara, segundo a Abin "obedecem ao disposto no art. 12 da Resolução nº 291, de 23 de agosto de 2019, do Conselho Nacional de Justiça". Por fim, a agência informou que "a organização, funcionamento e composição dos quadros dos núcleos de inteligências dos tribunais não compete à Abin".

O CNMP, em nota à coluna, reproduziu um texto divulgado em maio a respeito da celebração do acordo com a Abin. De acordo com a divulgação, o conselheiro Weitzel disse que o acordo era "uma oportunidade ímpar para o Ministério Público". "Esperamos multiplicar o conhecimento e interagir com o MP e com a Abin. Hoje em dia, não dá para se viver sem conhecimentos de Inteligência. Além disso, é uma oportunidade de podermos usufruir da expertise da Abin", disse o conselheiro, de acordo com o texto divulgado pelo CNMP.

Segundo o texto, o acordo "é decorrência do Projeto 'MP + Seguro', elaborado no âmbito da CPAMP, que visa, entre outros aspectos, à disseminação de informações capazes de sensibilizar e despertar os membros do Ministério Público para a importância da internalização de atitudes pessoais que contribuam com a segurança institucional".

O CNJ informou, também em nota, na íntegra:

A Política e o Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário estão disciplinados pela Resolução CNJ, nº 291 de 23/08/2019, abrangendo toda a segurança institucional, pessoal dos magistrados e de seus respectivos familiares em situação de risco, além dos demais usuários e cidadãos que transitam nas instalações dos órgãos do Judiciário, e sendo executada por meio do Sistema Nacional de Segurança do Poder Judiciário (SINASPJ).

Por sua vez, o Sistema de Inteligência de Segurança Institucional do Poder Judiciário (SInSIPJ) é regulamentado por meio da Resolução CNJ nº 383, de 25/03/2021, tendo a finalidade de subsidiar o processo decisório relacionado à segurança institucional, por meio da produção e salvaguarda de conhecimentos realizados pela atividade de inteligência. Nos termos do art. 2º, §4º, os integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) poderão participar do SInSIPJ, mediante convênio com os seus integrantes e autorização do Comitê Gestor do SINASPJ.

Por fim, cumpre ressaltar a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética do Poder Judiciário (ENSEC-PJ), instituída por meio da Resolução CNJ nº 396, de 07/06/2021 e que tem o objetivo de aprimorar o nível de maturidade em segurança cibernética nos órgãos do Poder Judiciário, abrangendo os aspectos fundamentais da segurança da informação para o aperfeiçoamento necessário à consecução desse propósito. Nos termos do art. 15, §3º, o comitê poderá convidar representantes de órgãos de segurança pública, das Forças Armadas e especialistas técnicos de outros órgãos públicos ou privados que pretendam subsidiar os respectivos trabalhos.

Todos os atos normativos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), inclusive as resoluções supramencionadas e eventuais portarias decorrentes, encontram-se a disposição de todos no portal do CNJ e podem ser livremente consultados por meio do link a seguir: https://www.cnj.jus.br/atos_normativos