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Rubens Valente

REPORTAGEM

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Casa de liderança indígena que participou da COP é invadida no Pará

Casa revirada da liderança indígena munduruku Alessandra Korap em Santarém, Pará - Alessandra Korap Munduruku
Casa revirada da liderança indígena munduruku Alessandra Korap em Santarém, Pará Imagem: Alessandra Korap Munduruku

Colunista do UOL

13/11/2021 17h02

A casa de uma das principais lideranças indígenas do país, a munduruku Alessandra Korap, que integrou a comitiva indígena brasileira que foi à COP26, em Glasgow, foi invadida em Santarém (PA) na sua ausência. Foram levados diversos documentos, o cartão de memória de uma câmera de segurança e dinheiro, mas não um notebook, um telefone celular e uma televisão.

Alessandra retornou ao Brasil no último dia 9 e comunicou a invasão da sua casa à delegacia da Polícia Federal, que já começou a investigar o caso e fez uma perícia no local neste sábado (13). A invasão ocorreu provavelmente, segundo Alessandra, entre a noite de sexta-feira (12) e a manhã de sábado. Os invasores entraram na casa após quebrar o cadeado de uma janela.

De acordo com a organização não governamental Terra de Direitos, que acompanha o caso, o fato de os invasores não terem levado bens de valor levanta a forte suspeita de um crime político contra a organização dos indígenas que são contrários ao garimpo e aos madeireiros que invadem as terras mundurukus.

"Alessandra já integra o programa de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos no Pará e já foi alvo de intimidações e ataques. Pedimos que as autoridades investiguem o assunto e garantam a proteção da liderança", disse a advogada Luísa Câmara Rocha, da Terra de Direitos.

Sinal de arrombamento da porta da casa da liderança indígena Alessandra Korap em Santarém, no Pará - Alessandra Korap Munduruku - Alessandra Korap Munduruku
Marca de arrombamento da janela da casa da liderança indígena Alessandra Korap em Santarém, no Pará
Imagem: Alessandra Korap Munduruku

Outro endereço de Alessandra em Santarém já foi alvo de uma invasão há dois anos. Em novembro de 2019, desconhecidos também invadiram sua casa na sua ausência e levaram um tablet, documentos e o cartão de memória de máquina fotográfica. Isso ocorreu dias depois que Alessandra denunciou, no Congresso Nacional em Brasília, a ação ilegal de mineradoras e madeireiros.

Vice-coordenadora da Fepipa (Federação dos Povos Indígenas do Pará), Alessandra tem feito seguidos alertas sobre a destruição causada pelo garimpo e ladrões de madeira em terras mundurukus. Nos últimos anos, ela e outras lideranças têm pedido, em diversas manifestações públicas e em cartas às autoridades, a retirada dos invasores das terras indígenas. O ministro Luís Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), já determinou que o governo federal promova a proteção das lideranças mundurukus.

A casa de Alessandra Korap, liderança indígena da etnia munduruku, foi revirada por invasores em Santarém, Pará - Alessandra Korap Munduruku - Alessandra Korap Munduruku
Pertences da família de Alessandra revirados após invasão em Santarém, no Pará
Imagem: Alessandra Korap Munduruku

Em 2019, viralizou na internet um vídeo que mostra Alessandra dando socos na mesa durante uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para pedir a retirada dos invasores.

Em retaliação às denúncias de Alessandra e das outras lideranças, garimpeiros e indígenas cooptados pelo garimpo têm atacado endereços dos mundurukus contrários à mineração. Em abril passado, eles destruíram e incendiaram a sede da Associação das Mulheres Indígenas Munduruku, em Jacareacanga (PA), e a casa de outra liderança, Maria Leusa Munduruku.

Para a antropóloga Luísa Pontes Molina, os ataques a Alessandra são "uma represália nítida pelas atitudes, pelo discurso, pelo que ela representa, pelo conjunto de elementos que fazem dela uma das maiores lideranças indígenas do país hoje".

"Significa dizer que não é só ela [o alvo], como figura individual, mas é no sentido mais amplo, do que ela representa, da questão da proteção dos territórios e das vidas indígenas frente ao avanço do extrativismo predatório, de uma política claramente genocida de interesses contrários à proteção dos territórios. A ofensiva contra Alessandra também é a expressão de uma ofensiva mais ampla contra os povos indígenas no país hoje."

Molina citou a recente divulgação do relatório anual do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), relativo a 2020 que apontou o aumento das invasões às terras e assassinatos de indígenas no país.

"A gente tem um cerco se fechando e existe uma relação coextensiva entre a pressão e a violência contra os territórios indígenas e a pressão e a violência contra as lideranças que estão à frente da proteção desses territórios. Então a gente não pode olhar um ataque a uma liderança de maneira desvinculada do conjunto mais amplo de violências contra os povos indígenas no Brasil."

A coluna procurou a Superintendência da Polícia Federal no Pará e, caso ela se manifeste, este texto será atualizado.