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Gilmar encerra "conciliação" que pretendia cortar terra indígena ao meio
Após ter enviado o processo no ano passado para a "câmara de mediação e conciliação" da AGU (Advocacia Geral da União), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes decidiu agora encerrar "as tentativas de conciliação" que poderiam cortar ao meio, com a perda de 392 mil hectares, a Terra Indígena Apyterewa, no Pará.
Contudo, a decisão não esclarece qual o próximo passo do processo - há possibilidade de o ministro enviá-lo para julgamento virtual no STF, onde o tema da suposta "conciliação" poderá voltar à tona.
A decisão de encerrar a "conciliação" foi tomada na última terça-feira (14), 12 dias depois que a coluna revelou o plano de redução aceito por caciques da etnia parakanã que sofrem as pressões com a presença dos invasores da terra indígena. O número de ocupantes ilegais recrudesceu durante o governo de Jair Bolsonaro. A coluna também informou que a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio) estimula o plano de redução e a proposta de "conciliação", conforme documentos entregues ao STF pelos advogados da prefeitura.
Mendes tomou a decisão de encerrar as tentativas de acordo no bojo de um mandado de segurança (nº 26.853-DF) impetrado há quase 14 anos, em 2007, pela Prefeitura de São Félix do Xingu (PA) contra a demarcação da terra dos indígenas parakanãs, homologada e demarcada pela Presidência naquele mesmo ano, em 2007. Parte da área é hoje ocupada por um número que oscila de 1,5 mil pessoas a 3 mil famílias invasoras, segundo estimativa da prefeitura.
Nos últimos anos, diversas operações foram realizadas pelo Ibama por crimes ambientais promovidos pela invasão. A terra indígena é considerada uma das mais desmatadas no país nos últimos três anos. A desocupação da terra indígena era um dos pontos condicionantes, nunca cumpridos, da construção da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA).
Em 2019, no primeiro ano de Bolsonaro, doze anos depois da demarcação, Mendes negou seguimento ao mandado da prefeitura. No entanto, a prefeitura interpôs um agravo regimental, que chegou a ser pautado para o julgamento virtual no STF em abril de 2020. A prefeitura não concordou com o julgamento e pediu que o processo fosse retirado da pauta e enviado para "conciliação" na AGU. Após ouvir a AGU, Mendes concordou com a medida.
O processo foi então remetido à CCAF (Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal) da AGU. Em sua decisão do dia 14, Mendes disse que considerou "a importância da autocomposição para a solução e prevenção de conflitos intersubjetivos, bem como o reconhecimento, pelo Código de Processo Civil de 2015, da necessidade de amplo emprego das técnicas de solução consensual dos litígios". O ministro escreveu ainda que tem "prestigiado essa perspectiva em processos sob minha relatoria".
Especialistas ouvidos pela coluna vêem impossibilidade legal e constitucional de se negociar a redução de terras indígenas demarcadas. Elas são, na visão desses especialistas, "inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis", não podendo ser alvo de acordos, muito menos entre particulares e um ente público como uma prefeitura, órgão estranho à posse de terras indígenas, que nos cartórios de imóveis são registradas em nome da União.
Em julho de 2021, a AGU informou ao ministro que fracassaram as tratativas de acordo da União com a prefeitura, as lideranças parakanãs e um grupo de três entidades representativas das famílias que ilegalmente ocupam a terra indígena. A AGU sugeriu que a "conciliação" fosse conduzida pelo próprio STF.
Três meses depois, em outubro passado, caciques vinculados à Associação Indígena Tato'a, a prefeitura e as três associações protocolaram um "termo de acordo" pelo qual os indígenas disseram abrir mão de 392 mil hectares, ou 50,7% do total da área indígena, o equivalente a 549 mil campos de futebol.
A partir daí, houve uma sequência de petições que colocaram em dúvida a posição da Associação Tato'a. O presidente da entidade, Kaworé Parakanã, chegou a prestar depoimento ao MPF (Ministério Público Federal) para dizer que foi "enganado" ao assinar uma procuração, mas depois recuou da declaração e passou a concordar com a redução da sua própria terra. À coluna, Kaworé relatou "medo" e insegurança sobre a situação de familiares e amigos.
Na sua decisão do dia 14, Mendes escreveu sobre as idas e vindas da associação indígena que "esse quadro gera perplexidade e indica graves problemas na legitimidade da representação dos indígenas enquanto comunidade neste processo, lançando sérias dúvidas sobre os interesses que são efetivamente tutelados na tentativa de conciliação".
O ministro reconheceu ainda que "a terra tradicionalmente indígena não está integralmente à disposição dos interesses em disputa para materialização da transação" e que "a demarcação observa critérios legais e constitucionais, ancorados em laudos antropológicos, razão pela qual não pode ser desconstituída por simples ato de vontade do Estado, muito menos das comunidades indígenas e não indígenas".
Mendes decidiu pela "inviabilidade, ao menos neste momento processual, de alcançar-se solução concertada para a lide" e mandou encerrar a tentativa de "conciliação".
Contudo, alguns meandros da decisão de Mendes deixam em aberto o destino final do processo, que agora poderá ir a julgamento virtual em Turma do STF. Além de usar a expressão "neste momento processual", o ministro mencionou, na decisão de 11 páginas, por exemplo, que a celebração de acordos que impliquem a redução de terras indígenas não é, "a princípio, objeto de expressa e absoluta vedação legal".
Fez ainda referência ao julgamento de 2009 pelo STF do caso Raposa/Serra do Sol, em Roraima, para dizer que "as terras indígenas já demarcadas estão sujeitas à liderança institucional da União, de modo que é de todo inviável acordo não subscrito pela Funai e pela União". Em trecho anterior, Mendes havia salientado que a Funai não havia participado da formulação do "termo de acordo" apresentado ao STF pela prefeitura, indígenas e colonos. Essas citações lidas em conjunto podem dar a entender que, se a Funai e a União participassem mais ativamente do suposto "acordo", ele poderia ser apreciado pelo ministro.
Este texto será atualizado.
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