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'Medalha perdeu razão de ser', diz sertanista ao devolver honraria
Um dos maiores sertanistas e indigenistas do país, Sidney Possuelo, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), devolveu nesta quinta-feira (17), no protocolo do Ministério da Justiça em Brasília, a medalha de Mérito Indigenista que recebeu do governo federal há 35 anos. Foi um protesto contra a decisão do ministro da Justiça, o delegado da Polícia Federal Anderson Torres, de conceder a honraria para o presidente Jair Bolsonaro. Outras autoridades do governo receberam a medalha, incluindo Torres, que se autoconcedeu a honraria. A informação foi antecipada pelo "Estado de S. Paulo" e confirmada pela coluna.
Possuelo disse à coluna que, desde ontem, a condecoração "perdeu a razão de ser" e, por isso, decidiu pela devolução. "Essa medalha, entregue a quem foi, transforma o algoz em herói. Porque essa medalha distingue aqueles que, de alguma forma, direta ou indiretamente auxiliaram aos povos indígenas na demarcação de terras, na saúde, na educação. E ela é totalmente imprópria e é uma forma não apenas de banalizar a medalha, é mais do que isso, é degradar a medalha."
Junto com a medalha, Possuelo entregou uma carta dirigida ao ministro Torres. Eis a íntegra:
"Senhor ministro. Com imensa surpresa e natural espanto, tomei conhecimento de que o senhor Jair Bolsonaro foi condecorado com a medalha do Mérito Indigenista.
"Ao longo da história da humanidade, os povos autóctones tornaram-se vítimas de toda sorte de atrocidades cometidas por representantes de sociedades que se acreditam civilizadas e tementes a uma potestade superior.
"Os povos originários do continente americano - do Alasca à Patagônia - tiveram os territórios, onde milenarmente viviam, invadidos e drasticamente reduzidos. E, em nome de interesses sempre menores, condenados à morte.
"Quando deputado federal, o senhor Jair Bolsonaro, em breve e leviana manifestação na Câmara dos Deputados, afirmou que 'a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país'.
"Ofendeu o senhor Jair Bolsonaro, ao vocalizar sua crença, seus desejos, a memória do marechal Rondon, e por extensão do Exército brasileiro.
"Dediquei minha vida ao trabalho de defender os direitos humanos de uma parcela da humanidade que vive em outro tempo histórico, mas que compartilha com a sociedade envolvente o mesmo tempo cronológico.
"Há 35 anos, vivi a honra de receber a medalha do Mérito Indigenista. E, como é de público conhecimento, delegou-me, em 1991, o coronel Jarbas Passarinho, então ministro da Justiça, a tarefa de demarcar, em nome do governo brasileiro, a Terra Indígena Yanomami. Meus companheiros e eu da Fundação Nacional do Índio - Funai - a cumprimos. E disso nos orgulhamos.
"Entendo, senhor Ministro, que a concessão do Mérito Indigenista ao senhor Jair Bolsonaro é um flagrante, descomunal, ostensiva contradição em relação a tudo que vivi e a todas as convicções cultivadas por homens da estatura dos Irmãos Villas Boas.
"Por essas razões, senhor Ministro, devolvo ao governo brasileiro, por seu intermédio, a honraria que, no meu juízo de valores, perdeu toda a razão pela qual, em 1972, foi criada pelo presidente da República."
O Ministério da Justiça foi procurado pela coluna para comentar a devolução e a carta. Caso se manifeste, este texto será atualizado.
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