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Tales Faria

Marina: Sob espada do impeachment, Bolsonaro ataca STF e apela ao centrão

Colunista do UOL, Carolina Marins, do UOL em São Paulo, e Guilherme Mazieiro, do UOL em Brasília

06/05/2020 17h56Atualizada em 06/05/2020 21h54

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A ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) disse ver o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a "espada do impeachment na cabeça" e tentando se salvar recorrendo ao centrão. Para ela, o presidente cometeu vários crimes de responsabilidade que justificam a abertura de um processo de impedimento.

Em entrevista ao colunista do UOL, Marina afirmou que o impeachment é um ato de legítima defesa da sociedade brasileira. "O impeachment é ato de legítima defesa. O Supremo, o próprio Ministério Público estão bem atentos. Até as Forças Armadas. O que eu entendi é que as próprias Forças Armadas desautorizaram os arroubos e devaneios do presidente da República. Bolsonaro é um presidente que, o tempo todo, é desautorizado", disse.

"Ele já está se entregando de mão para o centrão para obter apoio político e com certeza não é para apoiar as medidas para o combate ao coronavírus, porque isso o Congresso Nacional já está fazendo, independentemente de ser situação ou oposição, está todo mundo unido a favor da proteção da saúde. E ele está fazendo isso porque tem a espada do impeachment na cabeça dele no Congresso".

A ex-candidata à Presiência, porém, lembra que um impeachment dependerá do respaldo da sociedade e que, apesar de o presidente ter desaprovação de boa parte da população, ele ainda tem apoio político.

Coronavírus

A ex-senadora disparou contra as medidas que Bolsonaro tomou no combate ao novo coronavírus. Ela disse que as medidas contra isolamento social que o presidente defende contribuem para lotar o sistema de saúde e levar a rede ao colapso.

"O presidente já cometeu vários crimes de responsabilidade, participando de manifestações. Um dos piores, talvez, contra a democracia e esse contra saúde pública, porque quando ele faz esse estímulo para a pessoas romperem o isolamento social, ele está colocando em risco a vida de milhares, quiçá de milhões de brasileiros em função da contaminação", diz Marina.

Ele passou de todos os limites. Uma pessoa que depois que tivemos a notícia de mais de 5 mil mortes diz 'e daí?', como presidente da República, é a coisa mais afrontosa que já vi na minha vida
Marina Silva, ex-candidata a Presidência

Questionada sobre quem seriam os culpados pelo alto número de mortos (ao menos 7.921) e contaminados (114.715 até ontem) pelo novo coronavírus, a ex-senadora disse que nominar culpados é uma atitude de Jair Bolsonaro, mas o presidente "contribui para diminuir o isolamento social, contribui para o colapsar o sistema de saúde. Um sistema de saúde colapsado significa que teremos mais mortes".

"Bolsonaro não tem responsabilidade, senão, não tiraria [Luiz Henrique] Mandetta [ex-ministro da Saúde] no meio da pandemia. Ele não se importa com o que está acontecendo. Ele chama as pessoas para a manifestação. Mas nós podemos fazer panelaço. Não podemos ser tão irresponsáveis como ele", disse.

Fake news

Marina Silva afirmou que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o seu marketeiro João Santana criaram as fake News. A ex-senadora concorreu à Presidência contra Dilma, em 2014. Ela criticava as campanhas eleitorais comandadas pela petista.

"Quando ela [Dilma] foi para a Casa Civil, tivemos divergências, mas nada mais do que isso. Tivemos um debate civilizado. Mas em 2014, a campanha da Dilma inaugurou as fake news. Eles tiveram algo similar ao 'gabinete do ódio'. Quem inaugurou as fake news foram Dilma e João Santana. Isso está mais do comprovado", disse.

"O João Santana diz isso em seu próprio livro, ele dedica uma parte para dizer da reunião que tiveram, da decisão que tomaram, de me enfrentar não numa disputa democrática, mas numa disputa fraudulenta. É fraude falar mentira, é fraude usar dinheiro roubado para ganhar uma eleição. Então foram eles que inventaram isso", continuou.

Marina não poupou Jair Bolsonaro durante a entrevista ao UOL, mas tratou os governos anteriores, em especial os de PT e PSDB, como "culpados" pelo surgimento e crescimento do bolsonarismo nos últimos anos.

Mesmo assim, eu não tenho raiva. Eu sinto dor pelo que aconteceu. Eles [PT e PSDB] decepcionaram de tal forma, que acabaram chocando esse ovo terrível que se chama Bolsonaro

Sergio Moro e "florestão"

Sobre o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, Marina avaliou que teve bom desempenho frente à Lava Jato, mas que sua entrada no governo enfraqueceu a força-tarefa.

"O Moro decepcionou uma grande quantidade de brasileiros. Ele fazia um grande trabalho, com o trabalho na prática de combate a corrupção. Mas terminaram as eleições e aceitou entrar na política. Ele estava fazendo um trabalho, que investigou empresas, empresários, políticos. No meu entendimento, o trabalho dele foi enfraquecido quando aceitou servir a Bolsonaro", disse Marina.

Defensora do Meio Ambiente e das pautas ambientalistas, Marina afirmou que Moro não fez nada para combater o "florestão", em referência ao desmatamento de florestas e ações de madeireiros ilegais.

Roubar dinheiro público na Petrobras não é diferente de roubar patrimônio, em forma de terra, de ave, de madeira. Há roubo de terra, de madeira. Isso deveria ser combatido da mesma forma que foi combatido o petrolão, e isso não foi feito

"Quando tocaram fogo em viaturas do Ibama, lá em Rondônia, o Salles foi visitar as pessoas que tacaram fogo. Eu fui ministra do Meio Ambiente e sei como essas pessoas são frágeis, ameaçadas de morte o tempo todo. Agora, você ter um ministro que se reúne com aqueles que mandaram tocar fogo nas viaturas, sinceramente, o que falta para ver que tem crime de responsabilidade, que é um processo de prevaricação [quando o funcionário público não cumpre sua função]?", questionou sobre o ministro Ricardo Salles do Meio Ambiente.

Paulo Guedes deslocado

Marina Silva disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está deslocado do restante do mundo com a visão econômica liberal "primitiva" que ele defende. Segundo ela, os demais países do mundo de prepararam para epidemia com gastos públicos e fazendo investimentos relacionados à prevenção e cuidados com epidemia.

"Guedes tem uma visão liberal primitiva. Nesse momento parece que não tem um lugar, porque todo o receituário do liberalismo primitivo e selvagem que ele tinha, onde o mercado reina absoluto sobre tudo e todos, agora não se aplica à realidade do mundo", disse.

Marina lembrou que Guedes defendeu ajuste fiscal e fez defesa de reformas econômicas no início da pandemia como solução econômica para o país.

"O tempo todo ele fica nessa ambiguidade em relação à realidade que se impõe e aquilo que ele imagina sendo o ideal de uma país em que o estado é cada vez mais esmaecido (enfraquecido) para algo que se resolve apenas pela lógica de mercado", afirmou.

Mourão e Bolsonaro têm práticas diferentes

Questionada se, caso Bolsonaro sofra impeachment, o vice-presidente Hamilton Mourão seria melhor, a ex-ministra preferiu não responder diretamente, mas disse que ambos têm práticas distintas.

"Eles são uma composição, mas o Mourão e o Bolsonaro têm práticas diferentes. Pelo menos não ouvir da boca do vice-presidente as mesmas verbalizações e atitudes que são feitas [do presidente]. Quem sou eu para fazer avaliações das pessoas com responsabilidades e atitudes diferentes?".

Aliança com Ciro Gomes

Questionada sobre uma possível aliança com Ciro Gomes (PDT), Marina disse conversar o tempo todo sobre temas do interesse de ambos os seus partidos.

"A gente [o Ciro e eu] está em aliança em debates. Os nossos partidos estamos debatendo o tempo. E isso é o mais importante. O que a gente pensa para a Amazônia? Para a desigualdade social? O que a gente pensa em desenvolver a economia sem derrubar mais nenhuma árvore? E já estamos debatendo. Aliás, fizemos um debate respeitosa, com diferença do PT, que não fazia a autocrítica".

Nomeação da PF

Marina disse que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio mostrou "um caminho" ao criticar, em entrevista ao UOL outro ministro, Alexandre de Moraes. Moraes deu uma liminar que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para chefia da Polícia Federal.

"Você estava diante de uma situação em que, claramente, havia uma imposição do presidente da República para que o futuro delegado-geral da Polícia Federal pudesse prevaricar nas funções que ocupa", disse.

Marina entendeu que a decisão de Alexandre de Moraes, que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para chefia da PF, foi preventiva e questões complexas assim devem ser analisadas pelo colegiado (todos os ministros).