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Tales Faria

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Sem maioria no Congresso, Bolsonaro desmoralizou generais

Placar da votação da PEC do Voto Impresso na Câmara dos Deputados - Reprodução/Câmara dos Deputados
Placar da votação da PEC do Voto Impresso na Câmara dos Deputados Imagem: Reprodução/Câmara dos Deputados

Chefe da Sucursal de Brasília do UOL

11/08/2021 03h00

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A derrota acachapante da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso mostrou que o presidente Jair Bolsonaro não dispõe sequer de maioria no Congresso.

O projeto de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) - sob inspiração do próprio presidente da República - obteve apenas 229 votos a favor na noite desta terça-feira, 10.

A maioria na Câmara só seria obtida com o apoio mínimo de 257 dos 513 deputados. Mesmo assim o projeto não seria aprovado. Emendas constitucionais exigem três quintos dos votos, ou seja, o apoio de 308 deputados.

A votação mostrou que, sem o apoio do centrão, Bolsonaro não aprovaria nada no Congresso. Esse agrupamento de partidos sem coloração ideológica define as maiorias nas votações. O centrão apoiou todos os governos nas últimas décadas, de esquerda ou de direita, em troca de cargos e benesses.

Quando o grupo retirou o apoio, derrubou os chefes do Executivo, desde Fernando Collor de Mello até a petista Dilma Rousseff.

Mas Bolsonaro se elegeu dizendo que não fecharia aliança com o centrão. Acabou se acertando com o grupo para derrotar o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (ex-DEM/RJ), que se bandeou para a oposição.

Nas últimas semanas, o presidente e seu ministro da Defesa, Walter Braga Netto, vinham ameaçando inviabilizar as eleições do ano que vem se o projeto de voto impresso fosse derrubado.

Em queda nas pesquisas de opinião, Bolsonaro responsabiliza "uma armação" contra sua reeleição, que supostamente utilizaria fraudes nas urnas eletrônicas. Tem dito que somente reconhecerá o resultado das eleições se houver a impressão dos votos.

Acossado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, por ter comandado a fracassada operação federal de combate à pandemia, Braga Netto fez coro ao presidente contra as urnas eletrônicas

O jornal o Estado de São Paulo divulgou que Braga Netto chegou a mandar um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cobrando a aprovação da PEC do voto impresso.

Nesta terça-feira, dia da votação da PEC, o presidente da República e seu ministro promoveram um desfile militar na Praça dos Três Poderes, em frente ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal, para intimidar os deputados. Deram com os burros n'água.

Na hora da votação, uma parte da chamada base governista faltou, outra votou pela derrubada e os bolsonaristas não conseguiram aprovar a proposta. Dos 513 deputados, apenas 449 apareceram. As ausências e abstenções, neste caso, contam como votos contra. Apenas 229 seguiram a determinação do governo de votar a favor da PEC, enquanto 218 votaram contra e 64 ou se ausentaram ou se abstiveram.

Até o PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira (PI), partido que comanda o centrão e é presidido pelo chefe da Casa Civil, o senador licenciado Ciro Nogueira (PI), teve 24 votos pela derrubada da PEC (13 contra mais 11 abstenções) e apenas 16 pelo voto impresso.

Ou seja, o desfile de tanques para Bolsonaro só serviu para mostrar que o Congresso não se dobrará às ameaças de Braga Netto, nem do presidente. E os militares só se desgastarão se continuarem nessa toada.

Também os ministros do STF já haviam resistido aos ataques de Bolsonaro. O presidente da República chegou a chamar de "idiota!" O ministro Luis Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral. Mas Barroso e seus pares responderam que as urnas eletrônicas são seguras, não precisam de voto impresso e que a eleição ocorrerá independentemente das ameaças de Bolsonaro.

A acachapante derrota da PEC no Congresso mostrou que, sem o centrão, Bolsonaro não tem o apoio do Congresso, assim como já não tinha do STF e da sociedade civil. E que, sem isso, não adianta agitar a caserna.

Até mesmo seu amigo, o general Walter Braga Netto, já sofre apupos entre seus colegas dos quartéis por expor os militares numa briga que não é deles.

Os generais temem as pesquisas que apontam perda de uma respeitabilidade junto à opinião pública que vinham conquistando desde o fim da ditadura. Especialmente por causa do envolvimento de generais e coronéis nos escândalos do Ministério da Saúde. E dos seguidos gestos de desrespeito do presidente com a instituição que têm sido obrigados a engolir.

A pergunta que fica é: até quando?