Hélio Schwartsman não cometeu crime
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O ministro da Justiça quer enquadrar o jornalista Hélio Schwartsman na Lei de Segurança Nacional.
Schwartsman escreveu na Folha de S. Paulo um texto com o título infeliz "Por que eu torço para que Bolsonaro morra". Infeliz, entre outros motivos, porque, como sempre ocorre quando um artigo de jornal cai nas redes sociais, tudo o que sobra dele é a frase que o anuncia em letras grandes.
Assim, no caso do artigo de Schwarstman, ficou de fora o argumento da ética consequencialista em que o autor baseou o texto e sobrou apenas o seu desejo expresso de que o presidente do Brasil não sobreviva à Covid-19.
Desejar a morte de alguém é um sentimento condenável do ponto de vista cristão. Pode também ser considerado "desumano" do ponto de vista secular. Mas não é um crime - e muito menos passível de enquadramento na Lei de Segurança Nacional, como quer o ministro da Justiça, André Mendonça.
A LSN trata de crimes que têm, entre outras vítimas, a democracia, a soberania nacional e a pessoa do presidente da República. Para acusar o colunista da Folha com base na LSN, o ministro André Mendonça invocou o seu artigo 26 -que fala dos crimes de calúnia ou difamação contra o presidente da República e outras autoridades.
Ocorre que, como lembra o constitucionalista e professor da Universidade Federal Fluminense Cássio Casagrande, "caluniar" alguém significa imputar a esse alguém a prática de um crime. Assim, depreende-se que o ministro não acusa o jornalista pelo fato de ele desejar a morte do presidente - o que, repita-se, no sistema jurídico não configura delito.
Talvez o ministro esteja se referindo à possibilidade de o colunista atribuir ao presidente homicídio culposo.
Isso porque Schwartsman diz que Bolsonaro minimiza a epidemia e sabota medidas para mitigá-la. Sugere ainda que a "fala negacionista" do ex-capitão estimula quedas nas taxas de isolamento e aumentos nos óbitos.
Mas sobre isso já falaram praticamente todos os jornalistas do Brasil e um bom número deles no mundo - o que obrigaria o ministro da Justiça a processar todos para não ser acusado de ânimo de perseguição.
De volta ao artigo 26, menos sentido ainda faria neste caso a acusação de difamação- quando se atribui a alguém fato ofensivo à sua reputação. Um presidente da República, por natureza da função exposto ao escrutínio da imprensa e da opinião pública, não pode tomar como crime críticas à forma como conduziu ou deixou de conduzir o combate a uma pandemia.
Assim, resta a conclusão de que a iniciativa do ministro André Mendonça de enquadrar o colunista da Folha na Lei de Segurança Nacional é uma tentativa de punir o jornalista por algo que ele escreveu e que desagradou o presidente.
O fato de esse desagrado ser bastante compreensível não muda o nome que se dá à ação do ministro: uma tentativa inconstitucional de transformar uma opinião em delito.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.