Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Apoiadores de Bolsonaro fingem não ver que o ex-capitão hoje é "o sistema"
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Em junho de 2019, com apenas seis meses no cargo, Jair Bolsonaro ainda era visto por apoiadores como o "candidato anti-sistema" que vencera as eleições com um celular na mão e uns caraminguás no fundo do bolso recolhidos em uma vaquinha na internet. O ex-capitão podia ser meio bronco e meio mal-ajambrado, mas iria varrer o petismo do mapa, restabelecer os valores da família brasileira e acabar com o toma-lá-dá-cá do Congresso. Seria implacável com a corrupção.
Diante disso tudo, causou surpresa quando, naquele mês, um seu aliado, o deputado e pastor evangélico Otoni de Paula (PSC), falando a uma roda de parlamentares no Congresso, comentou o que o tinha deixado intrigado na última visita ao presidente. Baixando o tom de voz, Otoni de Paula contou aos colegas que, no instante em que, por algum motivo, o tema Lava Jato surgiu na conversa, Bolsonaro afirmou: "É, tem que acabar com isso aí".
Naquele momento, a frase do presidente não parecia fazer sentido — e até por isso ao menos dois parlamentares a guardaram na memória.
Um mês antes, Bolsonaro já havia deixado estarrecida parte da bancada do seu partido, o PSL, ao defender que o Coaf ficasse fora das mãos do então ministro Sérgio Moro. A tutela do órgão responsável por identificar movimentações financeiras ilícitas era considerada fundamental na estratégia de combate à corrupção planejada pelo ex-juiz. "É decepcionante ouvir isso de você", disse na ocasião a Bolsonaro uma arrasada Carla Zambelli, antes de se retirar às lágrimas da reunião (seguiu-a, para fins de consolo, a então amiga Joice Hasselman - a mesma que nesta semana usou as redes sociais para acusar a colega de partido de não devolver peças de roupa que ela havia lhe emprestado).
Jair Bolsonaro, por quase três décadas integrante do subsolo parlamentar, sempre soube o jogo que se joga no Congresso.
Depois do episódio do Coaf, veio a demissão de Sérgio Moro, o casamento com o Centrão e a nomeação do ministro Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal por indicação do líder do PP e réu por corrupção no mesmo tribunal, o senador Ciro Nogueira (o senador tratou da indicação de Nunes Marques pessoalmente com Flávio Bolsonaro, o filho mais velho do presidente, também pendurado na Justiça por desvio de dinheiro público na forma de "rachadinha").
Mas a mais certeira facada desferida por Bolsonaro nas costas de quem acreditou nele foi a nomeação, fora da lista tríplice, de Augusto Aras para Procurador-Geral da República. Aras foi uma indicação do ex-deputado Alberto Fraga, amigo do peito do presidente.
Durante a longa "corte" que fez a Bolsonaro a fim de ser nomeado para o cargo, Aras não se importou de ser contrabandeado para dentro do Palácio da Alvorada agachado no banco de trás do carro de Fraga para tentar escapar da visão dos repórteres de plantão no local. Nesta semana, o procurador teve seu "couro-duro" mais uma vez testado e aprovado pelo chefe ao enterrar, com frieza e método, a Lava Jato.
Jair Bolsonaro foi alçado à presidência como o candidato anti-establisment —e tudo o que resta a seus apoiadores é fingir desconhecer que o establishment agora se chama Jair Bolsonaro.
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