Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Moraes erra e sua decisão coloca em risco também youtubers e jornalistas
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Como policial militar, Daniel Silveira já havia dados inúmeras mostras de ser uma ameaça para a sociedade —entre 2013 e 2017, o então soldado da PM sofreu 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências por transgressões diversas.
Como deputado federal, Silveira provou ontem não ser menos perigoso do que quando vestia uma farda e portava um revólver na cintura.
No vídeo cheio de ameaças e impropérios que postou no Youtube, o deputado diz que gostaria de ver os integrantes do Supremo Tribunal Federal, em especial o ministro Edson Fachin, surrados nas ruas.
A incitação à violência é crime previsto no Código Penal e não há imunidade parlamentar que proteja ninguém de responder por ele (lembrando que a regra foi criada para proteger a democracia e não a pessoa física de políticos incendiários, golpistas ou mentalmente desequilibrados).
Mais: da mesma forma que a liberdade de imprensa não é um direito absoluto, tampouco o é a imunidade que a lei confere a políticos no exercício da atividade parlamentar, seja qual for o seu pedigree ideológico (um deputado de esquerda que suba ao plenário para incitar os cidadãos a pegarem em armas e fazer a revolução deverá responder da mesma forma na Justiça por seu crime).
Mas:
A lei é clara ao dizer que senadores, deputados federais e estaduais só podem ser presos em flagrante. Ou seja: quando estão cometendo o delito ou quando tenham "acabado de praticá-lo". Como o vídeo do deputado era "fresco" - foi postado menos de 24 horas antes da sua prisão—o conceito de flagrância seria aplicável.
Ocorre que Moraes não usou do argumento ortodoxo para determinar a prisão imediata do deputado. Em vez disso, argumentou que, como o vídeo permanecia no ar e era replicado nas redes sociais, o parlamentar encontrava-se "em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante".
E aí é que a porca torce o rabo.
Para especialistas em Direito Constitucional, a aceitação da tese do ministro de que postar um vídeo como o de Silveira constitui um flagrante delito PORQUE ele "permanece disponível nas redes sociais" e assim constitui "infração permanente" cria um risco de prisão imediata - ou seja, sem investigação ou denúncia— para qualquer um que use a internet para criticar autoridades.
"Por esse conceito de "flagrante permanente", um jornalista ou youtuber, por exemplo, passa a estar sujeito à prisão em qualquer tempo se tiver um dia usado a rede para fazer críticas ainda que legítimas a um poder de estado", diz Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Melhor faria Moraes se tivesse fundamentado sua ordem de prisão em flagrante no argumento muito mais ortodoxo do crime recém-praticado.
E melhor ainda teria feito o magistrado se, em vez de incitar a colisão de poderes, tivesse se limitado a pedir à Procuradoria Geral da República que denunciasse Silveira pelos vários crimes que ele cometeu — mesmo procedimento, aliás, aplicado em 2016 contra o ex-deputado Jair Bolsonaro quando ele disse que "não estupraria" a deputada Maria do Rosário "porque ela não merece".
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