Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Sem fazer lição de casa, CPI corre o risco de dar um presentão a Bolsonaro
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Acontece frequentemente com repórteres inexperientes ou pouco dados ao trabalho duro.
Eles vão para uma entrevista munidos de uma lista de perguntas pré-preparadas ou encomendadas pelo chefe e tudo o que querem, ou conseguem fazer, é chegar ao fim dela. Não ouvem as respostas do entrevistado e, quando ouvem, não são capazes de comentá-las, questioná-las ou contraditá-las. Por falta de conhecimento sobre o assunto de que tratam, apenas engolem o que lhes diz o interlocutor e passam para a próxima questão.
Foi o que se viu ontem em diversos e embaraçosos momentos do depoimento do ex-ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello à CPI da Covid .
Pazuello mentiu descaradamente, tergiversou e trafegou à vontade pelo terreno das meias verdades - mas só pôde fazer isso graças ao despreparo das excelências que o interrogavam.
Houve honrosas exceções, como quando o senador Eduardo Braga (MDB-AM) desmentiu a fala do ex-ministro de que órgãos de controle de despesas haviam desaconselhado a compra da vacina da Pfizer no ano passado. Braga mostrou pareceres da Controladoria-Geral da União e da Advocacia-Geral da União dizendo não haver obstáculos jurídicos para a compra. Mesmo assim, isso só aconteceu porque, pouco antes, alertas funcionários do Tribunal de Contas da União, outro órgão citado pelo general, fizeram chegar à CPI documentos que desacreditavam suas afirmações.
No restante do tempo, porém, o que se viu foi parlamentares resignando-se a vociferar sua indignação frente à incapacidade de rebater as inverdades ditas pelo ex-ministro ou, pior ainda, engolindo em seco diante delas.
Num desses momentos, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou ao militar a que ele atribuía sua demissão do ministério da Saúde. "Missão cumprida", respondeu Pazuello, numa evidente demonstração de sua dedicação ao treinamento de mídia a que foi submetido. Renan calou-se. Não lhe ocorreu nem mesmo perguntar ao general se os mais de 400 mil mortos da Covid estavam incluídos na missão que ele considerava ter cumprido.
A CPI da Covid guarda particularidades em relação às suas antecessoras.
No passado, as mais famosas conseguiram revelações importantes a partir da obtenção de documentos incriminadores, como os cheques provenientes de contas fantasma na CPI do PC Farias em 1992. O rastreamento de contas bancárias também foi definitivo em 1993 para o desfecho da CPI do Anões do Orçamento, que terminou com seis deputados cassados.
Em 2006, a convocação de uma testemunha explosiva como o caseiro Francenildo Santos Costa na CPI dos Bingos resultou na queda do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O caseiro acusou o petista de gerenciar uma mansão de lobby e sexo pago em Brasília.
No caso da CPI da Covid, há pouco para ser "descoberto".
As atrocidades perpetradas durante a pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro e seus acólitos ocorreram à luz do dia. As declarações que boicotaram, confundiram e atrasaram — com consequências trágicas e irremediáveis— o combate à Covid 19, foram ditas em alto e bom som, quando não imortalizadas em posts assinados nas redes sociais.
Mesmo assim, existe uma margem de investigação para a CPI da Covid, e ela está sobretudo nos documentos que autoridades trocaram ou deixaram de trocar, por exemplo, com representantes de vacinas como a Coronavac e a Pfizer, e nos registros das comunicações durante a crise de oxigênio em Manaus.
CPIs que tiveram resultados foram as que produziram provas.
Caso, no entanto, os senadores continuem a preferir se dedicar ao bem menos custoso exercício da performance virtuosa e das demonstrações retóricas de indignação, seria bom que ao menos fizessem direito a lição de casa a fim de confrontar os depoentes com suas mentiras.
Do contrário, como diz um veterano de CPIs em Brasília, em vez de merecida punição, os parlamentares podem acabar por dar a Jair Bolsonaro um discurso — o de que ele foi investigado durante meses por uma CPI de oposição e natureza política, e que essa CPI nenhuma prova produziu contra ele.
Seria o presentão que o ex-capitão pediu a Deus.
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