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Thaís Oyama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aras é só mais um a descobrir que "amar a democracia" é a melhor blindagem

O procurador-geral Augusto Aras""homo brasiliensis" - Reprodução
O procurador-geral Augusto Aras""homo brasiliensis" Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

06/02/2023 10h31

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A Procuradoria-Geral da República resolveu colocar a carroça na frente dos bois e ofereceu denúncia contra 653 acusados de participação nos ataques de 8 de janeiro antes mesmo de a Polícia Federal encerrar as investigações sobre os casos.

Ao atropelar a PF, a PGR ameaça desfalcar os inquéritos de perícias e provas que poderiam robustecê-los. Em outras palavras, ao atrapalhar o trabalho da polícia, a PGR facilita o trabalho dos advogados dos acusados.

Como aponta a Folha de hoje, investigadores consideram que a precipitação da PGR é uma tática de seu chefe, Augusto Aras, para melhorar sua esfarrapada imagem pública.

Aras é o homem que, durante o governo Jair Bolsonaro, teve ao menos 90 oportunidades de viabilizar investigações contra o ex-presidente junto ao Supremo Tribunal Federal e jogou pela janela 74 delas (as vezes em que se manifestou contrariamente aos pedidos de investigação feitos à Corte).

Desde que o poder mudou de mãos, no entanto, mudou também o comportamento do procurador que, menos de trinta dias depois da eleição do presidente Lula, pediu a suspensão do indulto de Natal aos policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru — indulto que havia sido determinado por Bolsonaro, ele mesmo embasbacado com a rapidez do cavalo de pau mental perpetrado pelo ex-aliado.

Augusto Aras é, como dizia o falecido advogado Marcio Thomaz Bastos, um típico "homo brasiliensis" — espécie dominante no Planalto graças à sua superior capacidade de adaptar-se ao turno do poder.

Nascido em Salvador, Aras tem relações cordiais com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner, ambos políticos influentes na Bahia.

Essas relações, acrescidas de suas próprias "origens na esquerda", como ele atualmente gosta de propagar, poderiam, na visão do procurador, ajudá-lo a permanecer no cargo depois de setembro, quando termina o seu mandato — uma hipótese que no ano passado chegou a ser cogitada no PT— ou mesmo representar uma chance de ele conseguir o que sempre sonhou, uma vaga no STF.

Como nenhuma dessas alternativas tem se mostrado nem de longe provável, Aras, na sua sabedoria evolutiva, mudou de tática.

"Democracia, eu te amo, eu te amo, eu te amo", recitou em evento em Brasília na semana passada.

O atropelamento da Polícia Federal no caso dos inquéritos contra os golpistas do 8 de janeiro seria apenas mais uma oferenda de Aras a esse amor.

E o fato de o procedimento ferir o rito da investigação, e mesmo colocar em risco os seus resultados, não importa — a causa é nobre.

Aras não foi o primeiro a descobrir que a evocação da democracia é a melhor blindagem para atos cuja heterodoxia causaria muito mais escândalo em outros tempos.

Na sexta-feira passada, o ministro do STF Alexandre de Moraes deu cinco dias para veículos de imprensa lhe enviarem na íntegra as entrevistas feitas com Marcos do Val, o senador do Podemos que acusou e desacusou Bolsonaro de tê-lo coagido a "dar um golpe".

O ministro chegou a estipular uma multa de R$ 100 mil para o veículo que não cumprisse a determinação. Depois, talvez por ter se lembrado que ela feria o direito constitucional do sigilo da fonte, o ministro voltou atrás, retirou a multa e transformou a ordem em pedido. Nesse processo, poucos protestos se fizeram ouvir.

Jair Bolsonaro minou as reservas democráticas do Brasil não só enquanto esteve no poder. Ao sair dele, deixou aberta uma chaga agora instrumentalizada pelos que querem fazer crer que, depois do ex-capitão, tudo é permitido.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informava a coluna, Jaques Wagner nasceu no Rio de Janeiro, embora tenha construído sua carreira política na Bahia. O texto foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL