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Thaís Oyama

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Da campanha ao Planalto, as metamorfoses da frente ampla de Lula

Colunista do UOL

17/02/2023 09h16

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"O PT é feito por pessoas inteligentes, que sabem que para fazer política é necessário ter espaços. Quanto mais espaços tivermos no governo, mais apoios poderemos garantir".

Foi assim, com desconcertante franqueza, que o presidente do União Brasil, Luciano Bivar, antecipou em entrevista ao Globo na terça-feira passada uma realidade que mesmo grão-petistas do governo já começam a absorver: a frente ampla prometida em 2022 pelo candidato Lula deve ser de fato amplíssima, mas não exatamente como se imaginava.

O projeto do PT de formar uma coalizão plural para eleger Lula e governar o Brasil foi registrado pelo UOL em 28 viagens feitas pela equipe do portal — do início da campanha, em junho, até a posse do petista, em janeiro de 2023. Na construção dessa frente ampla, o primeiro grande momento se deu no dia 7 de maio de 2022, quando um Geraldo Alckmin de voz fanhosa e nariz vermelho (o ex-governador de São Paulo havia sido diagnosticado com covid dias antes) surgiu no telão de um ginásio em São Paulo para se apresentar diante de uma multidão de petistas como candidato a vice na chapa de Lula.

Alckmin representava, naquele instante, o supra-sumo da ousadia aliancista do ex-presidente. Mas o segundo de tensão que precedeu a aparição do tucano de carteirinha, fundador do partido seis vezes rival do PT nas eleições presidenciais e adversário direto de Lula na campanha de 2006, logo se dissipou. Alckmin foi aplaudido no começo da sua fala e ovacionado no final.

Estava cumprido o vaticínio de Lula ao responder à pergunta do senador Humberto Costa sobre qual seria a reação de integrantes do PT à ideia de ter um tucano na vice-presidência: "Vão fazer umas quatro ou cinco notas de repúdio e depois a coisa acalma".

A coisa se acalmou e Lula foi para o segundo turno vitaminado. A vantagem estreita obtida sobre Jair Bolsonaro (PL) e a constatação de que o então presidente ainda tinha chances de se reeleger fez com cerrassem fileiras em torno do candidato do PT nomes como o da hoje ministra Simone Tebet (MDB), do também ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT), do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de economistas liberais como Armínio Fraga e Pedro Malan. A "frente ampla" que, no primeiro turno não havia conseguido romper a fronteira de partidos da centro-esquerda, se transformava agora numa "frente democrática".

Lula eleito, a abertura das urnas mostrou a realidade no Congresso, onde a esquerda conquistou não mais que um quarto da Câmara e do Senado. Hoje, somados todos os partidos da base lulista, o governo teria 223 votos na Câmara, insuficientes para aprovar um projeto de lei, que requer maioria simples — e isso na improvável hipótese de não haver dissensões.

Os apoios do PSD, MDB e União Brasil, ao custo de três ministérios para cada um, tampouco podem ser considerados favas contadas, sobretudo no caso do União Brasil — que, como pessoa jurídica, considera ter sido menos contemplado que a pessoa física do senador Davi Alcolumbre (União-AP), padrinho do ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.

Mas, como Luciano Bivar não poderia ter deixado mais claro, a dinâmica do União Brasil não guarda segredos: mais espaço, mais apoio — e o contrário é igualmente verdadeiro. Bivar sabe que, para Lula, o apoio da maior parte da bancada de 59 deputados do União Brasil pode representar a diferença entre a governabilidade e a perspectiva de começar o mandato experimentando derrotas amargas no Congresso. Assim, pede alto —entre outras coisas, a manutenção da Codevasf, o controle da Sudene e um ministério "de gala", como o da Saúde — algo a que a ala do PT comandada pela presidente do partido, Gleisi Hoffmann, resistirá com unhas e dentes.

Mesmo porque, a vingar a fusão do União Brasil com o PP de Arthur Lira, é certo que tanto o PT quanto o governo serão forçados a estreitar a convivência com adversários recentes. No PP, e também no Republicanos e no PL (partidos que formaram a base de apoio a Jair Bolsonaro) não faltam parlamentares dispostos a aderir ao governo em troca de alguns centímetros da máquina federal.

Para eles, a concretização da federação União Brasil-PP servirá como um perfeito biombo para as almejadas incursões na máquina — incursões essas que marcarão a entrada do centrão no governo e consolidarão o acordo tácito firmado entre o PT e Arthur Lira na reeleição do presidente da Câmara.

Resigna-se uma liderança do governo que participou ativamente da construção da coalizão eleitoral no primeiro turno e participou de quase todos os comícios de Lula na campanha: "Desde 1989, nenhum governo conseguiu governar sem o centrão" — uma consequência, lembra, da arquitetura da Constituição de 1988. "Para escapar disso, a esquerda tem de aumentar a sua eficiência eleitoral. Se tivéssemos feito 250 deputados em vez de 150, o governo não precisaria do centrão". Hoje, porém, precisa, e como diz um representante do bloco, o centrão não come alface — a frente será ampla e o preço será alto.