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Declaração do papa sobre gays derrapa na naftalina do preconceito
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O papa Francisco deu uma longa entrevista à estadunidense agência noticiosa AP (Associated Press). Nesta semana, a AP começou a soltar a fala de Bergoglio a conta-gotas.
Curioso. A agência AP foi criada em maio de 1846 e a "infalibilidade dos papas" virou dogma da Igreja Católica em julho de 1870, pela constituição intitulada Pater Eternum.
Na entrevista, o papa Francisco não se expressou "ex cathedra". Falou como Bergoglio. Portanto, sujeito a erros e falhas. Nada de infalibilidade papal.
A propósito. A infalibilidade papal, conforme proclamada pela Pater Eternum , só acontece quando, em funções oficiais, espirituais, petrinas, anunciam-se novos dogmas. Aí, o papa manifesta-se oficialmente como doutor e pastor universal.
Por causa disso, nas respostas aos jornalistas da AP, Bergoglio não estava coberto pelo manto protetor da infalibilidade. Em linguagem de sacristia, das tradicionalistas beatas e carolas, ocorreu uma fala do papa, mas sem ser guiado pelo Espírito Santo.
Destaco alguns pontos da entrevista. Como progressista, Bergoglio sempre usa bons argumentos e se comunica muito bem. Na entrevista, escorregou na naftalina do conservadorismo obscurantista ao falar sobre homossexualidade.
Por partes.
1-) Nada de renúncia
Contou o papa estar em perfeita saúde. E, avisou que, enquanto estiver bem, não pensará em renúncia: deixaria o trono de São Pedro "na hipótese de não poder, não mais estar em condições, de governar".
A fisioterapia e a assistência médica colocaram fim ao problema do joelho, que decorreu de tombo, com pequena fratura óssea, afirmou.
2-) Ratzinger foi um pai
Bergoglio elogiou o recém-falecido papa emérito Bento 16. Quando tinha dúvidas, sempre o consultava: " Perdi um pai, um bom companheiro".
Ficou claro o fato de Bergoglio não concordar com o título de papa emérito. Ele anunciou, quando sentir necessidade de aposentar, que será apenas bispo emérito de Roma e irá morar em uma casa para sacerdotes aposentados, mantida pela diocese romana.
Como se sabe, o papa, além dessa função, acumula a de bispo de Roma e conta com magníficas basílicas sob seu mando: San Giovanni in Laterano, San Pietro e San Paolo Fuori de la Mura e Santa Maria Maggiore.
O refinado Ratzinger, que não abria mão de sapatos feitos sob medida, sempre em cromo alemão, e do automóvel Mercedes-Benz do ano, inventou, como doutrinador católico consagrado, o inusitado título de papa emérito.
Como papa emérito, ficou a residir num monastério dentro do Vaticano. Blindou-se para evitar problemas com a Justiça de países laicos —a recordar, os escândalos de clérigos pedófilos quando dirigiu a Propaganda Fedi (Congregação para a Evangelização dos Povos), antes Santo Ofício da Inquisição, e durante o seu pontificado.
Sobre a residência de Ratzinger no Vaticano, Bergoglio contou o desejo do papa emérito de voltar à Alemanha e continuar os estudos teológicos.
Na sua visão, Ratzinger "virou, no bom sentido, um escravo. Não era totalmente livre". Referia-se Bergoglio a não ter feito Ratzinger a sua vontade de retornar à Alemanha.
3-) A liberdade de criticar e usar a palavra
Bergoglio defendeu a liberdade de crítica. Lógico, até as críticas referentes às suas posições. Frisou preferir a crítica ainda que, muitas vezes, tenha sido injusta para com ele.
Mas, só assim, arrematou Bergoglio, "teremos a liberdade de palavras". Para ele, a liberdade de expressão é uma garantia fundamental dos cidadãos.
Seguindo o seu conhecido estilo, comparável a beque central portenho do San Lorenzo, seu time de futebol do coração, alertou preferir as críticas feitas na sua cara, ou seja, diretas, não pelas costas.
Vocês querem que não critiquem por amor à tranquilidade. Eu prefiro que façam críticas e porque, assim, existirá a liberdade de palavra. Se não for dessa maneira, teríamos a ditadura da distância, como se houvesse um imperador e ninguém pudesse dizer nada."
Papa Francisco
4-) Homossexualidade: não é crime, mas pecado
Aproveitando da pergunta sobre liberdade de expressão e de crítica, Bergoglio atacou os países que criminalizam a homossexualidade.
Pelos seus cálculos, são mais de 50 países com legislações a criminalizar homossexuais. "Ser homossexual não é crime", sentenciou Bergoglio.
Ao levar o dado mais adiante, criticou com veemência "dezenas de países" que criminalizam e aplicam a pena de morte.
Tais países, sempre segundo Bergoglio, não têm coragem de usar uma linguagem direta. Não falam homossexuais. Usam disfarce: "aqueles que têm comportamentos não naturais".
São países injustos na sua visão. Como uma espécie de anátema a tais países, Bergoglio disparou: "Somos todos filhos de Deus. E Deus nos ama assim como somos e pela força que cada um tem para lutar pela própria dignidade."
De repente, Bergoglio derrapou na naftalina do conservadorismo tacanho, discriminatório: "Ser homossexual não é crime, mas é pecado."
Como a perceber o custo da sua submissão aos vigorantes preceitos obscurantistas da Igreja, Bergoglio quis amenizar: "Ser homossexual não é crime, mas é pecado. No entanto, é pecado também a falta de caridade ao próximo, e então?".
5-) A questão China
Cardeais conservadores criticam Bergoglio por aceitar a exigência chinesa relativa à nomeação de bispos, o "de acordo" por parte de Pequim.
Bergoglio avaliou dever sempre a questão ser tratada com paciência e nunca se interromper o diálogo. A resposta decorreu de críticas feitas pelo cardeal Joseph Zem, adepto ao corte de relações.
O nome do cardeal foi mencionado na entrevista. Bergoglio o avaliou como pessoa de boa alma e contou ter tido uma reunião em privado com Zen quando do enterro de Ratzinger.
Arrematou haver Zen visto, na sala de audiência do papa Francisco, um quadro de Nossa Senhora de Shesham, que é a mais venerada pelos fiéis chineses.
Ao olhar para a imagem, segredou Bergoglio, o cardeal Joseh Zem começou a chorar de emoção como uma criança. Pela retórica empregada, Bergoglio reduziu a zero o peso da crítica de Zem.
Num pano rápido. Bergoglio continua autêntico. A entrevista é longa. Por enquanto, fez um "autogol" ao colocar homossexuais como pecadores.
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