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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caso Cuca: A falsa interpretação para se passar o pano

Ettore Chiereguini/AGIF
Imagem: Ettore Chiereguini/AGIF

Colunista do UOL

27/04/2023 15h05

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Para a Justiça, existe um tempo para o Estado exercitar a sua pretensão de punir um acusado de autoria de crime. E outro tempo para executar a pena imposta em processo criminal condenatório.

Passados os prazos temporais marcados nas leis penais-criminais, declara-se extinta a punibilidade pela prescrição: fim de papo. Ou, tollitur quaestio, numa erudita expressão latina usada nos tribunais brasileiros.

No que toca ao técnico de futebol e ex-jogador Alexi Stival, o Cuca, o tempo da Justiça helvética para executar a pena imposta já deve ter passado. E a denominada prescrição da pretensão executória, transcorridos mais de 30 anos, deve ter ocorrido. Não mais existe, por isso, lugar para a punição.

Em outras palavras, a Justiça passa o pano do esquecimento.

Como presumidamente diria o pranteado técnico Neném Prancha — o intelectual do futebol como ele era definido pelo jornalista Armando Nogueira —, não se compara Pelé com Cafuringa. Também não se deve comparar o Direito com a Ética.

Mas, muitos reacionários e machistas sustentam estar Cuca a sofrer por fato ocorrido há mais de 30 anos, "pena perpétua", acusação sem fim. Cuca estaria sendo obrigado a carregar a desonra pelo resto da sua vida.

Atenção: o inteiro teor da sentença condenatória não é conhecido. No entanto, até os relógios suíços — do antigo Vacheron Constantin de 1765 até o mais caçula com ornamento em diamante, do tipo que o Bolsonaro quis surrupiar da União, em crime consumado de peculato — sabem estar Cuca condenado pela Justiça helvética.

A menor vulnerável é aquela cuja vontade não conta. Ou seja, vulnerável por não ter condição legal de consentir com o ato sexual.

Em entrevista, o técnico Cuca negou a autoria do crime. Afirmou ser inocente. Negou ter copulado com a menor. Já se sabe, como revelado pelo UOL, que perícia da época encontrou esperma de Cuca no conduto vaginal da vítima. Isso derruba a negativa de autoria de conjunção carnal sustentada por Cuca em entrevista.

Mas, a questão que trago à reflexão é ética. Sobre a conduta daquele que não cumpriu a pena por ter fugido da Justiça da Suíça. Aquele que não indenizou os danos morais e materiais. Aquele que nunca se desculpou e jamais se arrependeu.

E nesse campo ético, a pergunta que não quer calar é a seguinte: Aquele que não se arrependeu, que não se desculpou, que não indenizou os danos morais e os materiais, pode ter, eticamente, uma gravíssima condenação esquecida, apagada para sempre?

Claro que não!

Eticamente, as desumanidades não são apagadas pelo decurso do tempo. Não dá, pura e simplesmente, passar a borracha.

Juridicamente e como já ressaltei acima, o passar do tempo pode levar à extinção da punibilidade processual, até pela prescrição. Mas isso é outra coisa, pois, atenção, atenção, nem tudo que é legal pode ser considerado ético.

Eticamente, e ensina a doutrina humanista, que influenciou o universo criminal e penitenciário civilizado, apenas o arrependimento pela compulsão elimina a sanção ético-moral. No campo filosófico, a doutrina de raiz judaico-cristã da metanoia, da transformação.

Cuca nem percorreu o caminho da denominada e moderna Justiça Restaurativa, voltada a aliviar o trauma da vítima.

Como ensina Armida Bergamini Miotto, no seu Curso de Direito Penitenciário, e em abordagem ética, "alguém só pode se emendar se reconhecer a sua culpabilidade" (página 522 do segundo volume)

Volto a repetir: juridicamente a punibilidade pode ser extinta no processo criminal. Eticamente, entretanto, só com o arrependimento sincero, acontecendo a reparação dos danos morais e econômicos causados, pode-se admitir o esquecimento social.

Não se trata, portanto, de "pena perpétua" para Cuca. Cuida-se de um crime abominável, hediondo, de desrespeito a uma menor vulnerável, sem capacidade legal de anuir, de querer, que Cuca nunca admitiu arrependimento. E até mente para se fingir de vítima de pena perpétua.

A questão é ética e ela não está sujeita à passagem do pano do esquecimento jurídico.

Por último, e como Cuca venera a santa que traz na sua camiseta em dias de jogos, cabe, sem entrar no campo da religião, um interessante verbete que, na pesquisa, encontrei na Enciclopedia Cattolica, edição 1952. Está, está escrito, numa tradução livre, que "a religião exige a mudança da alma e do coração, que é o arrependimento".