Wálter Maierovitch

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Opinião

Moraes virou o Moro do Supremo ao usar contorcionismos jurídicos

Inventor não é só a pessoa criadora de algo novo e que pode até ser patenteável. No nosso direito civil positivo, por influência do direito romano, inventor é aquele a topar com um tesouro sem dono, presente em algum lugar.

O então juiz Sérgio Moro e o ministro Alexandre de Moraes encontraram o populismo judiciário, um tesouro imaterial a servir para as suas pretensões e afirmações pessoais e sociais.

O tesouro achado pelo juiz Moro foi a Lava Jato.

O tesouro do ministro Moraes leva o apelido de Inquérito do Fim do Mundo, na verdade, uma excrecência jurídica com o nome de inquérito judicial.

Os dois tesouros do populismo — Lava Jato e Inquérito do Fim do Mundo — são muito semelhantes, ou melhor, foram e são manejados ao sabor das ocasiões e onde a interpretação legal sempre cedeu a contorcionismos e piruetas. Por vezes, duplo twist carpado com mortal, a impressionar plateias de cidadãos de boas intenções.

Numa imagem, Moro renunciou à magistratura e passou a Moraes os panos de salvador da pátria. Um teve a Lava Jato, o outro, o chamado Inquérito do Fim do Mundo, em que cabe tudo, ainda que não haja foro privilegiado.

Moro e a Lava Jato

Quando juiz em Curitiba, Sérgio Moro, para fazer carreira política começada pelo vértice, inventou (no sentido de descobrir) a Lava Jato. Era o necessário para dar ao direito a interpretação consentânea à sua conveniência.

Moro inventou o populismo judiciário e partiu para o contorcionismo judiciário interpretativo. Fez do direito instrumento da sua ambição ilimitada e apetite pantagruélico de poder.

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O juiz, ilegalmente, acochambrou-se com o Ministério Público, titular da ação penal e fonte impulsionadora de requerimentos variados, de prisões preventivas, buscas e apreensões.

A velha lei processual e pacífica jurisprudência orientavam-se no sentido de só caber condução coercitiva a suspeitos e testemunhas — a vetusta condução debaixo de vara segurada pelo oficial de justiça —, caso não atendida a intimação judicial. Moro determinava conduzir debaixo de vara cidadãos não intimados, com cobertura da humilhação pela mídia — e, caso fossem intimados, prontos a atender a um regular chamamento.

A título de exemplo das interpretações tortas, canhestras: na semana da eleição presidencial de 2018, a delação premiada do ex-ministro Palocci foi tornada pública.

De se acrescentar também o revelado em 2019 pela Intercept Brasil (a "Vaza Jato"). Moro, em vez de negar os fatos revelados nos áudios, preferiu dizer que não comentaria conteúdo de prova ilícita, proibida.

Atenção. As prisões cautelares, preventivas e temporárias eram impostas por Moro sem necessidade.

Na sua visão obnubilada pelo populismo, Moro acabava por antecipar condenações, fora do momento processual apropriado. Ora, a prisão preventiva é sempre provisória e nada tem a ver com o merecimento da condenação.

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Prisão preventiva não depende do mérito da acusação. Por isso, não representa antecipação de condenação. Constitucionalmente, a prisão preventiva só se justifica pela necessidade. É medida excepcional. A regra é a liberdade, a presunção de inocência.

Moraes passou a copiar Moro

Por decisões e posturas de Moraes, o mesmo caminho lavajatista está a trilhar o STF (Supremo Tribunal Federal).

E Moraes passou a copiar Sérgio Moro, na mais desabrida contrafação: usa contorcionismos jurídicos. Estes, pelo populismo jurídico, estão a levar a nossa Corte excelsa a ser vista, no caso do Inquérito Judicial, como um Cirque du Soleil judiciário.

Tudo começou com a incompetência do ministro Dias Tóffoli a criar, depois do primeiro ataque à sede do STF, a inconstitucional figura do inquérito judicial. Para a função de Torquemada, que vem desempenhando à altura, designou-se Alexandre de Moraes.

O STF, sob impacto, chancelou, por expressiva maioria (o ministro Marco Aurélio votou contra), a portaria de Tóffoli, então presidente.

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No inconstitucional inquérito judicial, como vítimas figuram todos os ministros do STF e seus familiares. A apurar um ministro-vítima do STF e a julgar, num futuro que não chega nunca, as próprias vítimas. Dentre os acusados, nenhum com foro privilegiado, mas, por contorcionismo jurídico, passaram a ter.

Tóffoli inventou uma interpretação extensiva ao Regimento Interno do STF. O poder de polícia das sessões plenários virou ilimitado. Como diriam os pretores romanos, "usque ad sidera et usque ad ínferos", ou seja, até as estrelas e até as profundezas da terra.

Como sabem até os capinhas do STF — funcionários transportadores de autos processuais e códigos, além de água, café e sucos —, os 11 ministros do STF resolveram armar a Corte. E armar de instrumento para autoproteção, a propalada autocontenção. A arma é o referido Inquérito Judicial.

Moraes virou o Capitão América, na visão daqueles entendedores de caber a ele, como salvador de democracia brasileira, enfrentar o golpismo antidemocrático bolsonarista. E pouco importa escapadelas aos limites da Constituição e atuação fora do Estado de Direito.

Com o mesmo populismo de quem já se fantasiou de policial para cortar pés de maconha no nordestino Polígono da Maconha, o ministro Moraes voltou à imitação. De imitador do ex-ministro Nelson Jobin, que se fantasiava, passou a imitar, como ministro do STF e diante do perigo golpista bolsonarista, os métodos e o populismo de Sérgio Moro.

Um outro exemplo. Aquilo que inicialmente pensou-se em ataque adrede preparado contra a Democracia, com uma multidão a ofender a honra do ministro Moraes no aeroporto romano Leonardo da Vinci, foi um episódio a "quattro gatti", como se diz em italiano. Quatro gatos de ópera bufa protagonizada por uma família bolsonarista a ofender a honra subjetiva de Moraes (injúria). E houve contravenção de vias de fato a vitimar o filho de Moraes, de maior de idade.

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Nada verificou-se contra a Democracia no aeroporto na Itália. A extraterritorialidade da lei penal representou algo mais a caber no tal inquérito judicial, com vícios destacados em minha coluna do UOL: a ação é privada, e não pública condicionada à representação. Moraes não estava em função, a não tipificar desacato. Um ato único, de ocasião, não tipifica crime de perseguição.

Não bastasse, Moraes, no "barraco" no aeroporto, inventou o foro privilegiado de vítima — jamais previsto em leis, nunca cogitado nos livros de direito processual penal. Em razão disso, o episódio aeroportuário juntou-se ao referido Inquérito do Fim do Mundo, com Moraes a presidir, e às favas a sua condição de vítima.

A prisão de Silvinei tem odor de ilegal

A decretação da prisão preventiva imposta a Silvinei Vasques, ex-comandante da PRF (Polícia Rodoviária Federal), depois de gravíssimos fatos ocorridos no dia de votação (30 de outubro de 2022), tem odor de arbitrariedade, ilegalidade.

Depois da espetacular prisão, a mídia ficou sem saber o motivo justificador: os inquéritos supervisionados por Moraes são sigilosos, secretos. Sem ciência do motivo justificador, a avaliação a respeito da necessidade da custódia prisional preventiva — depois de quase dez meses dos fatos dados como suspeitos — ficou sem poder merecer melhor análise.

No momento, sabe-se ter a polícia federal provocado Moraes, que aceitou os argumentos expostos.

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Para Moraes, dois policiais rodoviários mantém "temor reverencial" ao antigo e aposentando comandante Silvanei Vasques, um filobolsonarista de carteirinha, golpista assumido (existe live a respeito). Silvinei ocupou o comando da PRF por indicação do filho-senador de Jair Bolsonaro.

Como no mundo real o ridículo não tem limites, Moraes entendeu, por presunção, que o aposentado Silvinei Vasques, em liberdade, inibiria e levaria os policiais a mentir. Com o rótulo legal de "conveniência à instrução criminal", Silvinei restou preso preventivamente.

Esqueceu Moraes, e igualmente os policiais autores da representação da prisão preventiva, de levar em conta duas circunstâncias inibidoras. Primeira: o compromisso-juramento dos dois policiais de servir ao Estado nacional, quando das suas posses. Segundo: o crime de falso testemunho que cometeriam com as mentiras.

Diante disso e dos quase dez meses passados, soam risíveis os motivos apresentados para a prisão cautelar preventiva.

E Moraes voltou a ter o seu dia de Sérgio Moro, como populista judiciário. Nessas situações, o capitão América baixa apenas em república bananeira

Moraes ultrapassa limites constitucionais. Cultiva o protagonismo espetacular, despreza a garantia da presunção de inocência e pratica o prende-solta com artes do mitológico Procusto, com sua cama a caber qualquer corpo.

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Os pares de Moraes no STF o apoiam, sem rebuços. Não percebem estar a dar de bandeja ao bolsonarismo o discurso da vitimização, da perseguição injusta.

Pano rápido. Para usar uma expressão de Norberto Bobbio, presente na sua consagrada monografia intitulada Direita e Esquerda, o ministro Moraes, como Moro, está entre os "maîtres à penser", a fazer a transmigração do legal para o ilegal, do direito positivo ao arbítrio.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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