Ataque ao hospital em Gaza mostra o desprezo ao direito internacional
Já escrevi nesta coluna sobre a fragilidade do Direito Internacional, também chamado de Direito das Gentes. Mas a fragilidade fica bem visível quando nos deparamos com o bombardeio do hospital Al-Ahly Arab, da faixa de Gaza, na última terça-feira. O ataque causou 471 mortes, conforme informações oficiais do governo palestino.
A fragilidade do Direito das Gentes é também sentida em face do ataque terrorista do Hamas a Israel, no último 7 de outubro, com civis inocentes mortos e feridos e alguns da população feitos reféns.
Convenção de Genebra
Como o Direito Internacional se baseia no consentimento dos Estados-nacionais, basta um "não quero mais" para a quebra do consenso e o "vale tudo" retroagir aos tempos bárbaros.
Depois dos horrores das duas grandes guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), o direito internacional ressurgiu forte, estabelecendo normas humanitárias. E veio a chamada Convenção de Genebra, da então recém-nascida ONU (Organização das Nações Unidas), dividida em quatro partes, para estabelecer regras sobre a guerra.
Nas duas primeiras partes, trata da tutela em tempo de guerra (ou situação semelhante) de doentes e feridos, com a expressa proteção aos hospitais, aos médicos e ao corpo de paramédicos. Mais, protegeram-se as estruturas sanitárias móveis, como ambulâncias e veículos, com essa função.
Atenção: o descumprimento ao convencionado tipifica crime de guerra.
A Convenção não deixou sem proteção os militares feridos em hospitais ou em estruturas médicas sanitárias, incluídas as barracas de campanha destinadas às enfermarias — e, dentro delas, os médicos e o corpo auxiliar.
Malandragem odiosa
Quando decidi estudar direito, a minha avó Margherita, italiana da região do Molise, me alertou para nunca esquecer o sentido de um provérbio peninsular conhecidíssimo: "Fatta la legge trovato l'ingano" (Feita a lei, inventada a malícia). Sim, feita a norma impositiva, alguém vai buscar a maneira de dar-lhe um drible, talvez um chapéu ou drible da vaca.
Com a Convenção de Genebra em vigor, hospitais começaram a ser usados para esconder armamentos, munições e militares. E até terroristas atrasados nas fugas buscam, em tempo de guerra, esconderijo em hospitais lotados de feridos.
Diante desse problema, a resposta está no artigo 19 da Convenção de Genebra.
Hospitais devem ser notificados
Pelo supracitado artigo 19, hospitais usados como esconderijo, ou para a produção de danos ao inimigo, perdem a tutela.
Mas tem uma condição a ser cumprida. Como os hospitais podem ter problemas em face de beligerantes misturados aos feridos e doentes internados, a Convenção de Genebra estabelece, antes de qualquer ataque, a obrigatoriedade de se dar o aviso. Um aviso para evacuação, estabelecido prazo razoável para a remoção de doentes e feridos.
Está bem prevista a hipótese de presença de pequenas armas, a não constituir em dano significativo.
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Quero receberA Convenção de Genebra, é bom deixar ressaltado, protege as mulheres em tempo de guerra, para impedir estupros e crimes sexuais.
Hospital Al-Ahly Arab
Infelizmente, a tragédia já está consumada. Não se trata de tempo de guerra entre Estados nacionais, como previsto na Convenção de Genebra. Mas, no Direito das Gentes, ela prevê situação assemelhada a conflito a envolver um Estado e organizações terroristas, de qualquer matriz (religiosa, separatista, etc.).
Nenhum aviso de evacuação chegou ao hospital Al-Ahly Arab. Diante desse quadro trágico de desumanidades, tentam distrair a opinião pública com a busca de culpados e não falam na flagrante violação da Convenção de Genebra
A propósito, o Conselho de Segurança da ONU foi estruturado para resolver situações alarmantes, como o caso Israel x Hamas.
Para sair uma solução no Conselho terá de acontecer votação unânime entre os 5 Estados-membros que mandam: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
Os outros 10 Estados-membros do Conselho de Segurança são meros figurantes. E a presidência rotativa — no momento cabe ao Brasil — nada pode fazer a não ser costurar soluções pacificadoras de conflitos.
No hospital Al-Ahly, peritos independentes já estão em campo na busca da verdade real.
Enquanto isso, o Hamas atribui o ataque a Israel, e a alegação de erro de alvo não torna atípicos os crimes de guerra e contra a humanidade.
O Estado judeu negou a autoria do trágico e desumano ataque. Atribuiu à organização eversiva e terrorista conhecida por Jihad Islâmica, presente em Gaza. Para sustentar a sua versão, o Exército de Israel publicou vídeos e áudios.
As autoridades israelenses justificam a tese apresentada com base em restos de projéteis que seriam utilizados apenas pelos membros da Jihad Islâmica.
Vale lembrar que, em conflitos passados no Oriente Médio, as forças israelenses já erraram alvos e civis morreram.
Num pano rápido. Enquanto os sorridentes Xi Jiping e Vladimir Putin se acertam com relação ao projeto apelidado de Nova Rota da Seda, o presidente Joe Biden visita o premiê Benjamin Netanyahu, desprezado por três entre cinco israelenses. E os cultores dos direitos da pessoa humana lambem as feridas, diante de desumanidades sem fim.
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