Wálter Maierovitch

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Opinião

Maconha no STF tem moralismo de Nunes Marques e parlamentares inconformados

Desde 2015, o STF (Supremo Tribunal Federal) reúne-se para decidir sobre uma alegada inconstitucionalidade do artigo 28 da lei ordinária federal antidrogas (Lei 11.343, de 2006). O pedido foi formulado pela Defensoria Pública, em 2011, por meio de recurso extraordinário.

No popular, faz tempo que o STF patina. Uma vez anunciado o "dessa vez vai", a agitação social se intensificou. E o julgamento ainda não foi concluído.

Fla x Flu: proibicionismo e uso livre

O quadro social nacional é confuso.

Conservadores arvoram-se em defensores da família, tradição e bons costumes, segundo a pregação estridente.

Entram no debate os religiosos de plantão, demonizam as drogas proibidas, invocam os seus valores espirituais e esquecem a laicidade do Estado brasileiro.

Os conservadores proibicionistas até a raiz do cabelo e adeptos da criminalização e do encarceramento não falam nada a respeito das chamadas drogas lícitas, permitidas, como o álcool e o tabaco. Em especial, não falam do tabaco e do sucesso de políticas públicas de natureza administrativa e não criminal: proibição de uso em ambientes fechados e, no interesse público, propaganda sobre os malefícios à saúde.

Na sessão desta quarta-feira (6), o ministro Kassio Nunes Marques deu voto invocando a manutenção da criminalização e fez uma espécie de apelo em nome da família brasileira.

Kassio posicionou-se pelo indeferimento do recurso extraordinário, como fizeram anteriormente os ministros Cristiano Zanin e André Mendonça.

Os progressistas, além da invocação da liberdade pessoal e do direito natural à intimidade, manifestam justa preocupação humanitária, em razão da necessidade urgente de uma distinção, por critério objetivo, entre usuários e traficantes.

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Atualmente, muitos usuários são encarcerados por serem considerados traficantes, desde o momento da prisão pelas polícias militares, até as passagem pelas delegacias de polícia civil e a ação penal.

É o caso, por exemplo, de um pobre e desempregado com cinco cigarros de erva canábica, a popular maconha. Ele é presumidamente traficante por um critério discriminatório.

Deputados e senadores

Outra grita barulhenta provém de deputados e senadores. Eles entendem, até com apoio em votos de alguns ministros do STF, que está ocorrendo uma invasão no seu campo de exclusiva competência, ou seja, legislar sobre o tema das drogas.

Alguns votos merecem destaque por admitir a questão do uso pessoal, lúdico, como constitucional, apesar do estrebucho de parlamentares.

Quando uma lei, ou artigo dela, viola direitos fundamentais, compete ao STF, como guardião da Constituição, declarar se foi ou não violada. Não adianta parlamentares chiarem. O que podem fazer é formular uma lei melhor e não inconstitucional, progressistas ou proibicionistas.

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Questão de saúde, e não criminal

No caso das drogas proibidas, salta aos olhos que se trata de questão de saúde pública, e não criminal.

É errado e nunca deu certo, como mostra a história do proibicionismo, usar-se o código penal. Ou utilizá-lo com ameaças de sanções e decorrente efeito condenatório derivado, como a reincidência.

Até o momento, a maioria formada mostrou ministros atuando com muita cautela e sem esquecer a realidade brasileira.

Chamou a atenção, no entanto, o moralismo de Kassio Nunes Marques quando falou, como se fosse um privilegiado auscultador popular em vestes talares judiciárias, da "família brasileira". Só faltou usar a expressão "tradicional família brasileira", para se situar mais adequadamente. Kassio baseou-se, ainda, em estudos de proibicionistas, até de conhecidos obscurantistas, adeptos da fracassada doutrina norte-americana da "war on drugs" (guerra às drogas): criminalizar, punir, encarcerar ou internar.

A nossa suprema Corte reduziu o exame da questão posta no recurso extraordinário. Limitou-se ao caso concreto, contido no recurso da Defensoria Pública: posse de maconha para uso lúdico recreativo.

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Em outras palavras, limitou o exame do artigo 28 à posse de erva canábica. O tempo todo, ministros avisaram: não se trata de liberação de drogas, do popular "liberou geral".

Acerto

De fato e à luz da Constituição, o artigo 28 da lei antidrogas, referentemente à erva canábica, afronta a Constituição e suas garantias individuais de liberdade e intimidade.

As denominadas drogas pesadas ficaram fora de exame pelo STF, embora não devessem: até o relator, ministro Gilmar Mendes, as incluiu, mas, no curso do julgamento, recuou e limitou-se à maconha.

Por outro lado, não houve afronta à competência do Poder Legislativo quanto à fixação da quantidade para se ter, objetivamente, a distinção entre o usuário e o traficante.

A maioria formada está discutindo, para a distinção entre usuário e traficante, a posse entre 25 e 60 gramas. Um cigarro, segundo a literatura disponível, é confeccionado com três gramas.

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O plantio de até seis pés do arbusto de erva fêmea é reconhecido em vários países como apropriado para atender o uso e afastar o usuário da busca de um traficante. O STF está se orientando assim.

Punição administrativa

A transformação das sanções do artigo 28 de criminais em administrativas, para as hipóteses de maconha, implica em medida de política criminal, que o STF deveria deixar ao Congresso Nacional.

A propósito, existe uma emenda constitucional em tramitação no Congresso, que representa retrocesso: voltar a colocar usuários de drogas proibidas na cadeia.

Adiamento

O julgamento foi adiado por um pedido de exame feito pelo ministro Dias Toffoli.

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Considerando as ponderações feitas até agora, ele fez bem em pedir mais tempo.

Pelo besteirol dito, confundindo a proibição por tabela, feita pela autoridade sanitária competente, com a quantidade que distingue usuário de traficante, foi prudente. Muito prudente, pelo preparo demonstrado, pedir mais prazo para estudar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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