Wálter Maierovitch

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Opinião

Lula foi incapaz de relacionar Maduro com o golpismo de Bolsonaro

Antes do início do arremedo eleitoral venezuelano do final de semana, o presidente Nicolás Maduro recomendou que tomasse Lula chá de camomila para se acalmar.

É que Lula havia revelado justificável preocupação com a manifestação de Maduro sobre "banho de sangue nas ruas", caso a oposição chegasse ao poder. Era o lado democrata de Lula falando mais alto, mas isso mudou.

Overdose camomílica

Duas coisas já aconteceram e merecem atenção. Venezuelanos convencidos de eleições novamente fraudadas saíram em protesto. Até o momento, são 11 mortos e 749 presos.

Tem mais. As autoridades venezuelanas avisaram das iminentes prisões, com corresponsabilizações criminais, pelos protestos ocorridos. Dentre os que estão com prisões cautelares em exame temos o candidato opositor, Edmundo Gonzáles Urritia, e a líder popular Maria Corina, uma dissidente impedida de concorrer à eleição.

Como se nota, sem comprovações dos resultados saídos das urnas em face do sumiço das atas, mas com proclamação de vitória feita no quintal do palácio presidencial de Miraflores, Maduro mudou a estratégia. Vale dizer, Maduro não esperou para assistir à vitória da oposição.

Como se diz em linguagem futebolística, Maduro mandou apagar a luz do estádio antes de o jogo terminar com derrota. E reprimiu os descontentes. Reagiu com "banho de sangue".

Segunda coisa. O princípio ativo do chá de camomila é poderoso mesmo. Parece ter atuado para relaxar e reduzir a atividade do sistema nervoso central do nosso presidente Lula. Inibiu as suas percepção e memória. Deu overdose.

Lula não foi capaz de estabelecer correlação com o golpismo bolsonarista de 8 de janeiro passado. Como afirmar, sem ser por malícia ou interesse, "não ter visto nada de grave ou anormal no pleito"? E o desaparecimento das atas?

Lula acreditou em Maduro

Pela lei, cada urna com votos emite, ao final dos trabalhos de recepção do sufrágio, um boletim explicativo, um relatório pormenorizado.

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Cerca de 40% dos relatórios, que a legislação venezuelana denomina "ata da urna", não foram afixados nos locais das votações.

A Frente de Oposição, composta de coligação partidária, não recebeu os mapas, como manda a lei. As atas sumiram, e o sistema de totalização eletrônico saiu do ar por 24 horas.

Um passo atrás.

Quando a empresa Smartmatic prestava os serviços eletrônicos, o CEO Antonio Mugica denunciou, em entrevista coletiva dada em Londres, ter havido fraude, via sistema eletrônico e telemático, nas eleições para a Assembleia Constituinte. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) rejeitou a denúncia e declarou que ela não era verdadeira.

Em 2018, vários países, incluído o Brasil e as nações da União Europeia, não reconheceram a reeleição de Maduro, em razão de fraude.

Agora Lula dá aparência de honestidade ao resultado sem ter comprovação da sua veracidade. E prepara caminho para o reconhecimento oficial, ainda não formalizado.

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Como no bordão do personagem humorístico Saraiva, interpretado com enorme sucesso pelo saudoso Francisco Milani, "ele acreditou", ou seja, Lula acreditou no CNE e em Maduro. Sem as atas que representam, numa imagem, o "retrato" do resultado de cada urna.

Maduro, o Bolsonaro de Lula

A diferença entre Maduro e Bolsonaro salta aos olhos.

O venezuelano conseguiu dar um golpe de Estado, sem deixar o poder por um segundo. Bolsonaro, não logrou êxito na sua tentativa.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão do poder Judiciário brasileiro, em eleições transparentes, livres e limpas, proclamou a vitória de Lula. Por seu turno, o CNE, órgão de poder independente dos demais, parcial, sem transparência, carente de legitimidade constitucional e que esconde dados tirados das urnas, confirmou a empulhação e concedeu terceiro mandato a Maduro.

A diferença em relação a Bolsonaro decorre do fato de que Maduro deu um golpe de Estado, desaparecendo com o resultado, em ação acertada com o CNE, órgão com conselheiros homologados pelo chavista Tribunal Supremo de Justiça, em vez da Assembleia Nacional, como previsto na Constituição bolivariana de 1999.

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Bolsonaro, felizmente, não conseguiu burlar as eleições: chegou até a pedir a contagem apenas das urnas onde havia ganhado, excluídas as demais.

Durante seu mandato, o ex-presidente trombeteou fraude nas urnas, sem nunca comprovar. Convocou até embaixadores e adidos diplomáticos para reclamar de fraude e pedir que avisassem seus países.

Pela mão de um delegado de polícia, Bolsonaro montou, dentro da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), um serviço paralelo, no seu interesse privado.

Tentou o apoio das Forças Armadas para permanecer do poder, mas só teve o do comandante da Marinha. Aí, Bolsonaro partiu para a mobilização de uma rede de apoiadores, usando os mais ingênuos como massa de manobra golpista, sem sucesso. Provocou a condenação e prisão fechada dos "bagrinhos", enquanto Bolsonaro continua solto.

Maduro conta com apoio militar. Logo depois do sumiço das atas, os militares lhe declararam fidelidade, via seus comandantes.

Afinal, são os militares que sustentam Maduro, integram seus ministérios e usufruem do seu governo. Lógico, os militares não querem mudar absolutamente nada e preferem continuar usando Maduro como "laranja".

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Os coletivos chavistas-maduristas, presentes por ocasião da coleta dos votos, mantiveram-se armados na totalização e com as suas motos nas ruas a fim de manter a intimidação.

Vale registrar que Maduro não está sozinho no cenário internacional. A solidariedade, apesar da falta de transparência e do golpismo bananeiro, chegou da China e da Rússia.

De Heródoto a Maduro

O historiador grego Heródoto, falecido no ano 425 aC, registrou os sistemas políticos conhecidos: monarquia, aristocracia e democracia.

Com o passar do tempo, vários outros apareceram e até a democracia evoluiu para chegar à igualdade e ao sufrágio universal.

Hoje, fala-se também de uma autocracia eleitoral, com uma Constituição dando legitimidade ao autoritarismo. Faz tempo que a Venezuela não pode ser classificada assim.

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Na Venezuela, existe uma autocracia plena, com a Constituição permitindo o seu descumprimento. Existe, também, a garantia militar, fardada. Autocracia plena é mero neologismo usado em substituição ao termo ditadura.

Maduro é ditador. E Lula, que teve o apoio de democratas para vencer Bolsonaro, acaba de mudar de postura. Não é mais democrata. Apoia as imposturas do ditador Maduro e faz sabujismo para ser visto como líder dos países do chamado Sul Global. Virou incentivador de autocracias de eleições de araque.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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